Caminhamos a passos largos para o jogo que pode fechar as contas do campeonato nacional. Se num canto da sala, temos Vangelis Pavlidis e Ángel Di María, no outro há Viktor Gyökeres ou Morten Hjulmand. Todavia, no leque de representantes que vão assistir o antecipado duelo dentro do recinto, mas fora das quatro linhas, dois nomes servem de protagonistas a este artigo.

Rui Costa, presidente das águias, e Rui Borges, treinador dos leões, já se defrontaram, mas com um dress code distinto. Há múltiplos anos, em pleno Estádio da Luz, o treinador de 43 anos vestiu uma camisola verde e branca, porém, o símbolo que levava ao peito não era o mesmo a que está atualmente acostumado.

O zerozero esteve à conversa com Luisinho e Quim Ferraz - antigos jogadores do Moreirense que estiveram presentes no respetivo confronto -, de forma a dar a conhecer mais pormenores sobre a disputa entre os intervenientes mencionados anteriormente.

Entre os transtornos da Liga e as alegrias da Taça

Corria a época 2007/08, período temporal pautado por uma grande dificuldade dos cónegos, numa realidade bastante díspar da atual: a turma minhota seguia para o playoff de manutenção na II Divisão - correspondente ao terceiro escalão português -, depois de uma prestação pouco favorável na Série A.

«Na fase da manutenção, nós salvámo-nos com alguma tranquilidade, mas a verdade é que as coisas não nos correram nada bem no campeonato. Aliás, o objetivo era mesmo alcançar a subida divisão, porém, logo no final da primeira volta, vimos que não ia ser possível. Tínhamos realmente um bom plantel, com jogadores com experiência na I Liga, como o Bino ou o Rui Marcos, mas houve claros problemas de adaptação», referiu, numa primeira instância, Quim Ferraz.

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Apesar do evidente transtorno na competição onde mais fichas haviam sido depositadas pelo clube, as excelentes exibições na Taça de Portugal eram um raio de sol numa campanha, deveras, irregular. Na segunda eliminatória do torneio, o Moreira bateu, de forma categórica, o Vianense. Seguiram-se triunfos frente ao Portosantense, Machico, Beira-Mar e Valdevez.

E assim, como quem não quer a coisa, o Moreirense era o estandarte do terceiro degrau competitivo luso nos quartos-de-final da prova rainha. Ditou o sorteio que o Benfica seria o respetivo adversário, num embate onde a discrepância qualitativa era bastante significativa. Todavia, Luisinho realçou que esta singular partida não desviou o conjunto do seu espírito de missão.

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«A Taça existe para dar palco aos clubes mais pequenos e, como tal, jogar contra um clube desta dimensão foi um grande prémio para nós, logo à partida. Na nossa divisão tínhamos campos humildes. Nunca tínhamos pisado um estádio com aquela magnitude. Porém, apesar do sonho que estávamos a viver, queríamos dar uma boa resposta para representar da melhor forma os nossos adeptos», enalteceu o experiente defesa.

O ex-lateral - que viria a ter passagens pelos encarnados e pelo Deportivo - realçou, ainda, as bonitas recordações da viagem até Lisboa: «De manhã, fomos fazer uma visita guiada ao estádio. Nem queríamos acreditar. Estávamos a rir a toda hora, porque achávamos aquilo um pouco fora do normal.»

«Olhávamos para os jogadores do Benfica com uma grande admiração. A verdade é que os víamos constantemente na televisão, sentados no sofá. Estávamos a poucas horas de poder defrontar um Rui Costa, por exemplo. Antes do apito inicial, já sabíamos que ia ser uma experiência muito bonita», acrescentou.

A estratégia delineada a régua e esquadro

Com vista ao dérbi que se viria a jogar quatro dias depois, José Antonio Camacho promoveu mexidas substanciais na equipa titular. Assim, o camisola '10' das águias começou a ver o compromisso pelo banco de suplentes. Já Óscar Cardozo e um novinho Ángel Di María iam tentar dissipar as dúvidas da eliminatória nos minutos inaugurais.

No entanto, os pupilos de Daniel Ramos tinham a lição bem estudada e não se deixaram intimidar pelo ambiente eletrizante: «A primeira parte correu bastante bem. Fomos uma equipa muito coesa e segura. Defendemos bem e saímos algumas vezes para o contra-ataque. Criámos algum perigo, mas sem grandes oportunidades de golo. Mantivemos sempre o Benfica em sentido, com o 0-0 ao intervalo a demonstrar um bocado isso», referiu o antigo camisola '16' do Moreirense.

Após o descanso, a toada manteve-se idêntica. Os visitantes, com as linhas mais recuadas, procuravam ameaçar através de transições rápidas, explorando, principalmente, os corredores. No lado direito, um tal de Rui Borges procurava dar um ar da sua graça. O ex-Mirandela teve mesmo nos pés uma oportunidade dourada para abrir a contagem, mas Hans-Jörg Butt, com excelentes reflexos, impediu os festejos.

«O Rui não era muito falador, mas era bastante assertivo»

Questionado sobre como era o atual técnico dos leões no balneário, Quim Ferraz foi perentório: «Não era muito falador, mas era assertivo na sua comunicação. No entanto, também era engraçado e alinhava sempre nas brincadeiras do grupo. Pela calada, contribuiu sempre muito para o bom espírito do grupo. Não havia ninguém que não gostasse dele

Luisinho corroborou com a opinião do antigo companheiro, salientando, ainda, que as características assinaladas parecem estar patentes na nova função: «Continua a ser bastante tranquilo, apesar de ter de se impor em algumas circunstâncias. A sua capacidade de manter a postura face às adversidades é muito importante e ele já era dotado desta valência como jogador. Está a fazer um bom trabalho e nós [ex-colegas] ficamos contentes com isso.»

No que toca às suas habilidades com as chuteiras calçadas, o antigo avançado teceu rasgados elogios ao atual técnico leonino: «Tinha muita qualidade técnica, apesar de não ter um grande porte atlético. Não era muito grande, mas era muito esclarecido no meio-campo, porque percebia bem as diferentes componentes do jogo. Jogava sempre fácil, sem complicar. Também entregava-se sempre muito ao jogo e não dava nenhuma bola como perdida

Para grandes males, grandes remédios

Inconformado com o nulo na contagem, o treinador do glorioso foi obrigado a empurrar as suas joias mais preciosas para o terreno de jogo. Com a entrada de Rui Costa, a equipa da casa melhorou drasticamente os índices de retenção de bola e a sua avalanche ofensiva. Todavia, permanecia com claras dificuldades em visar a baliza contrária.

Ora, quando o coletivo não está inspirado, basta um momento de brilhantismo para contornar a trémula situação. Posto isto, aos 70', o Maestro anotou um golaço de levantar o estádio. Depois de receber a bola com o peito, o '10' encheu o pé e desferiu um autêntico míssil em direção ao alvo. Rui Marcos nada conseguiu fazer face à violência do disparo.

@Getty /

Quim Ferraz confessou que a clássica fragrância acabou mesmo por ditar o rumo dos acontecimentos: «Notou-se uma diferença enorme quando o Rui [Costa] entrou, não só pela dinâmica que imprimia no jogo ofensivo como também pela certeza que dava à equipa quando tinha a posse de bola. Depois, ainda acabou por tirar um coelho da cartola, que desbloqueou por completo o encontro. Um belo golo, como tantos outros que ele nos habituou ao longo da sua carreira.»

O tento do antigo internacional português deu o mote para a machadada final, executada por Ariza Makukula. Aos 88 minutos, Pedro Mantorras, de cabeça, serviu o possante ponta de lança, que só precisou de um ligeiro toque para provocar uma nova explosão de alegria nas bancadas. Apito final. 2-0, vitória pintada a vermelho.

No entanto, a felicidade (moderada) dos encarnados foi temporária. Na etapa posterior da competição, as papoilas saltitantes acabaram por cair perante o Sporting, em pleno Estádio José Alvalade. No que toca às referências deste conto, Rui Costa pendurou as botas no término da respetiva campanha, já Rui Borges realizou mais uma temporada ao serviço do emblema de Moreira de Cónegos, antes de retornar ao Mirandela.

Veremos se no próximo sábado, um pormenor de génio vai decidir quem irá levantar o prestigiante título. Uma coisa é certa, tanto de um lado como do outro, há figuras capazes de pegar na varinha e replicar as obras-primas de artistas futebolísticos renomados.