
Em que língua sonham as pessoas? E de que cor imaginam os carros de Fórmula 1? Para a primeira pergunta, cada um terá a sua própria resposta. Quanto à segunda, vermelho é praticamente a maneira universal de ripostar.
Lewis Hamilton tinha o “sonho de criança” de guiar foguetões de quatro rodas e de preferência da Ferrari. Por mais afinações que o monolugar da equipa italiana possa ter para a próxima época, detalhes sempre aperfeiçoados pela criatividade dos engenheiros, uma coisa é certa: o carro continua a ser vermelho como o britânico o pintara nas projeções de futuro na juventude.
Desde o início do ano, Hamilton tem-se experimentado nos circuitos privados da Ferrari, mas é agora nos testes oficiais de início de época, no Bahrain, que o inimaginável se parece ter tornado mesmo real. O primeiro Grande Prémio da temporada corre-se na Austrália, entre 14 e 16 de março, em horários madrugadores, e ultimam-se os preparativos para um 2025 especialmente interessante para se saber o que vai o sete vezes campeão do mundo fazer com a nova maquinaria.
Foram 12 anos na Mercedes, uma relação que só se esperava que fosse quebrada no dia em que Lewis Hamilton deixasse de existir enquanto piloto. O próprio tinha já “aceitado que provavelmente nunca iria correr pela Ferrari” como um dia pensou ser possível. Afinal, o vínculo às cores rivais era um nó tão bem-dado que jamais se pensaria ser possível desfazê-lo. As confissões que o multi-titulado fez à revista “Time” denotam surpresa até no protagonista principal do enredo, alguém que se quis “atirar para algo desconfortável de novo”.
“Honestamente, pensei que todos as minhas primeiras vezes já tinham acontecido. O primeiro carro, o primeiro acidente, o primeiro encontro romântico, o primeiro dia na escola. Entusiasma-me a ideia de ‘esta é a minha primeira vez num fato vermelho, a primeira vez na Ferrari’. Wow. Nunca estive tão entusiasmado.”
Tem quatro décadas e vai entrar na 19.ª temporada na Fórmula 1. “O corpo pode envelhecer, mas eu nunca vou ser um homem velho”, descarta, fresco de espírito. Não é como se já tudo estivesse feito. Apesar de ser o piloto com mais vitórias de sempre (105), ainda não é o recordista de títulos (pelo menos de forma isolada). Conseguir conquistar o oitavo campeonato significaria deixar para trás Michael Schumacher e dar mais um passo na direção dos meandros da eternidade.
Por muito que o tempo passe, a “prioridade número um” continua a ser a mesma. “Sou o primeiro e único negro neste desporto. Sou diferente. Passei por muito. Tive a minha própria jornada. Não posso ser comparado a outro piloto de 40 anos, do presente ou do passado. Eles não são como eu. Tenho fome, estou motivado, não tenho mulher e filhos, estou focado numa coisa, que é ganhar.”
Tem mãos para conduzir qualquer carro, mesmo que admita estar a passar por um processo de adaptação ao veículo. Resta saber que condições dará a Ferrari para que Hamilton não fique encrencado por situações que não dependem apenas dele. Em 2024, a Scuderia ficou em segundo no mundial de construtores. No campeonato de pilotos, Charles Leclerc, que permanece na equipa, terminou no terceiro lugar e ganhou três corridas.
Na capa da “Time”, Hamilton contracena com Aroma, um cavalo preto vindo de Portugal na mesma pose que a figura presente no logótipo da Ferrari. Um símbolo vivo, uma lenda viva.