As metáforas entre música e futebol são assunto antigo. Assim sendo, fica o alerta: aquilo que se segue é uma descrição verosímil das atividades praticadas no Estádio Den Dreef.

Poucas são as situações em que uma banda se senta na primeira fila e não no palco. Por complacência da equipa de segurança, ou muito distraída ou feita com a organização do jogo, um grupo de pessoas entrou munido de bombos, pandeiretas, tubas e trompetes. Quando a transmissão televisiva focou aquela filarmónica, os elementos que a compunham pareciam entediados, sem saberem se deveriam empenhar-se mais a prestar atenção à partida ou ao ritmo que estavam a tentar manter numa noite das suas já avançadas vidas.

Era um espetáculo dentro de outro espetáculo, um chá dançante. O Bélgica-Portugal da segunda jornada da fase de grupos da Liga das Nações também estava a ser jogado no tom certo. Um encontro repartido, com as duas balizas a serem ameaçadas. O figurino era muito diferente do que aconteceu contra a Inglaterra que, ora dominaram as Lionesses, ora dominou a seleção nacional. Desse valioso empate, em que Francisco Neto utilizou dois sistemas táticos, o técnico tinha a responsabilidade de copiar um deles para a viagem à Flandres.

Alex Bierens de Haan

A opção recaiu sobre o 3-5-2, estrutura que não correspondeu ao período de maior domínio frente às inglesas. Desta vez, Portugal utilizou-o de forma mais rentável. No ataque, composto pelo clã Silva, Jéssica desabotoou-se vezes sem fim das centrais. A vista de Amber Tysiak ficava irritada sempre que tinha a atacante no Gotham diante de si.

Jéssica Silva ia, mas não ia sozinha. Joana Marchão varria-lhe as pegadas e encontrou perdida a chance de chutar ao poste. Do mesmo modo, já na segunda parte, a jogadora das tranças ululantes voltou a ter uma conversa, falada com os pés, cara a cara com Amber Tysiak. A defesa belga não teve, mais uma vez, mãos a medir e cometeu grande penalidade aproveitada por Carole Costa. Jéssica, de novo, ficou-se apenas pela fama que continuava a ganhar com túneis às adversárias junto da bandeirola de canto.

A exibição de Portugal foi completa. Se a profundidade funcionou, o outro eixo do jogo, a largura, também correspondeu. Catarina Amado alimentou a área, onde Andreia Norton dispôs de uma oportunidade para marcar, antes de sair lesionada, dando lugar a Lúcia Alves. Mais uma contrariedade depois de Kika Nazareth e Ana Capeta terem abandonado o estádio com problemas físicos. Por fora, Ana Borges vislumbrou a possibilidade de subir e incentivar Andreia Jacinto a fechar as contas, o que não aconteceu.

Alex Bierens de Haan

A competência estendeu-se à pressão alta com que Portugal asfixiou a Bélgica. As centrocampistas, Andreia Jacinto, Tatiana Pinto e Andreia Norton, foram mordazes a condicionar as adversárias que procuravam construir de costas para a baliza de Patrícia Morais (rendeu Inês Pereira em relação ao jogo com a Inglaterra), repelindo a equipa da islandesa Elísabet Gunnarsdóttir para os corredores exteriores. Talvez na salvaguarda das costas de Joana Marchão, sítio por onde Jill Janssens teve hipótese de marcar, tenha estado a lacuna mais evidente.

Bélgica e Portugal parecem seleções siamesas. Ambas se apuraram pela primeira vez para um Europeu em 2017 e, desde aí, não falharam nenhuma edição. A seleção nacional superioriza-se nas presenças em Mundiais, porque no caminho até ao de 2023 eliminou estas mesmas adversárias. São por isso rivais de semelhante nível e ganhar fora é um importante passo para a manutenção na Divisão A. Portugal cumpriu ao som da banda que nunca parou de tocar.