É o contexto o responsável por, na maior parte das vezes, criar estrelas e fazer parecer que passeiam em campo verdadeiros amadores. O futebol não foi o prato forte do Estrela da Amadora x Benfica (2-3), decidido demasiado cedo em virtude de dois lances de bola parada determinados por erros da equipa da casa que, por sua vez, voltou ao jogo por erros do Benfica.
Em campo, somente uma estrela, ainda que bastante apagada: Ángel Di María. Dos 21 restantes – e seus substitutos quando aplicável – a carreira ainda não permite reconhecer esse estatuto, mesmo nos casos de maior potencial. Por isso, só o contexto – e a diferença de qualidade entre o nível dos mortais – explicará o porquê de certos jogadores renderem mais que outros.
Manu Silva foi o melhor jogador em campo. O médio estreou-se como titular pelo Benfica e, sem ter acertado todas as ações com bola, mostrou um novo mundo ao jogo das águias. Procurou fugir da pressão mais agressiva do Estrela da Amadora, fugindo a Rodrigo Pinho ou aos médios quando encaixavam, para dar andamento ao jogo do Benfica através do passe. Comparando com Florentino Luís, oferece outra segurança e variabilidade ao jogo com bola do Benfica, sendo uma opção mais interessante para a maioria dos encontros das águias no contexto de campeonato português.
Quem também parece ter encontrado, não o contexto necessariamente, mas a confiança necessária para um avançado brilhar. Está numa sequência de três titularidades consecutivas a marcar e, a violência e precisão do golo que anotou contra o Estrela da Amadora, é reveladora da fase positiva que vive. Ao mesmo tempo tem mantido a influência em apoio no jogo do Benfica, ligando setores e procurando potenciar uma saída mais apoiada desde trás.
Num destes lances, o grego falhou. A qualidade na distribuição longa de Anatoliy Trubin tem sido mais explorada por Bruno Lage, com o Benfica a posicionar-se para procurar superar pressões de forma mais direta. Pavlidis recua no terreno, os dois extremos posicionam-se por dentro procurando as costas da defesa adversária e o guarda-redes procura uma bola longa para o avançado grego receber e colocar um médio de frente para o jogo.
O lance e a sua padronização não estão mal por si, mas importa refletir sobre os contextos em que é usado e os momentos do jogo. O guarda-redes ucraniano está numa fase algo instável, acumulando jogos muito bem conseguidos e erros claros, e, depois do golo de Raphinha, viu um passe ficar demasiado curto – e puxado demais para uma boa receção no golo de Chico Banza.
Em ambos os lances, Tomás Araújo havia sido encostado à direita. O defesa português foi fundamental para o crescimento do Benfica pela forma como, enquanto defesa central, ofereceu capacidade de passe e critério a partir de posições mais recuadas. À direita será sempre menos influente no jogo encarnado e, coletivamente, o desconforto coletivo a sair desde trás, de forma apoiada, crescerá.
Coletivamente, a dinâmica do corredor esquerdo mudou com a ascensão de Andreas Schjelderup. O norueguês é jogador para atuar nas entrelinhas, valorizando-se a definir em espaços curtos e criando dúvidas nos defesas adversários. Com o norueguês a atuar mais por dentro, Álvaro Carreras começou a projetar-se mais no corredor, sendo cada vez mais raros os momentos em que funciona como lateral mais baixo. Essa função de facilitador da saída é agora, muitas vezes, de Orkun Kokçu.
O médio turco não tem posição fixa, mas é de frente para o jogo que sai valorizado. Não é um gestor de ritmos, mas a capacidade que tem no passe permite-lhe atenuar a ausência que se fazia sentir de um jogador como Manu Silva. Fica a curiosidade para ver como, com a entrada do português no onze, o turco será gerido e se poderá ser adiantado no terreno para, mantendo-se de frente para o jogo, passar a definir mais perto do último terço.
Por fim, no que toca às estrelas e amadores do Benfica, Arthur Cabral. A chegada iminente de Andrea Belotti, ainda que não confirmada de forma oficial, abre espaço à saída do avançado brasileiro. Não é tão mau como muitas vezes se fez pensar, nem tão bom ao ponto de justificar um valor sequer próximo ao que custou. Para ser útil, precisa de estar afundado na área adversária, como referência em situações de cruzamento. No Benfica, seria sempre mais exigido fora desta, como referência para vencer duelos e enquadrar os companheiros, uma função onde pareceu sempre que o corpo não acompanhava as intenções da baliza. Para o bem das duas partes, a saída será benéfica, embora seja na condição de vilão depois da grande penalidade desperdiçada, servindo de ponte perfeita para tocar, ao de leve, nas características do plantel do Estrela da Amadora.
Coletivamente, a equipa de José Faria é algo pobre. Desde que o Tricolor da Reboleira regressou à Primeira Liga apresenta traços comuns: uma equipa pouco criativa ofensivamente coletivamente, mas com individualidades capazes de fazer a diferença, e resistente a partir da organização defensiva e da agressividade demonstrada, principalmente nos jogos em casa.
A pouca fiabilidade das exibições de Marko Gudzulic – com culpas nos lances de bola parada, mas um jogo de menos a mais – ou de Issiar Dramé, um jogador com perfil atlético e físico de potencial, mas com demasiados erros (segundo golo e lance do penálti) atraiçoou o jogo do Estrela da Amadora e é marca desta época. Mesmo Ferro, que procura um regresso ao melhor nível, tem acumulado vários erros, apesar dos lances mais bem trabalhados, tendo sido um dos destaques positivos da segunda parte, após uma primeira com várias imprecisões técnicas. A tónica do Estrela da Amadora é esta e, à falta de outros argumentos coletivos, vão brilhando as individualidades do meio-campo para a frente.
Contra o Benfica, houve dois destaques claros. Diogo Travassos seria o encaixe perfeito caso o Sporting continuasse a jogar em 3-4-3 para regressar no fim da época e ter uma palavra a dizer na luta pela titularidade. Depois de um problema físico, a saída de Danilo Veiga pode abrir espaço à afirmação em definitivo como ala direito do Estrela da Amadora. Junta à capacidade física de fazer a linha, as mais-valias do ponto de vista técnico, a capacidade de utilizar o pé esquerdo e a habilidade nas incursões interiores.
Também a ter debaixo de olho, Chico Banza promete tornar-se num dos jogadores mais engraçados – e é esta a palavra certa – a acompanhar. Já no Portimonense vinha a ser destaque como este jogador que foge aos livros de regras e aos manuais, procurando um jogo mais próximo ao que é jogado nas ruas, e com a irreverência como única condição. Vai oscilar entre más definições e momentos de pequeno génio, mas também é disso que vive o futebol.
Embora não tenham sido destaques claros do jogo, há dois nomes a partir dos quais o Estrela da Amadora pode crescer ofensivamente: Leonel Bucca, o Pedro Gonçalves dos mais modestos, a partir da direita para jogar como terceiro médio e Rodrigo Pinho, dotado de uma capacidade técnica fora do vulgar para um clube desta dimensão e um contraponto importante ao jogo mais bélico e agressivo do Estrela da Amadora. Não é de estranhar que tenham sido destaques nas melhores exibições do clube esta época.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Teoricamente o Estrela da Amadora estaria sempre em desvantagem no marcador, com um 2X3. Estrategicamente como foi possível fazer face a esta situação defensivamente e ofensivamente qual a importância do posicionamento mais adiantado do Keliano e interior do Bucca?
José Faria: Na teoria é isso, o Benfica com três médios, nós com dois. Na prática isso não se verifica, porque numa fase do terreno o Rodrigo Pinho baixava para condicionar o 6, dando equilíbrio ao meio-campo, isto sem bola. Como bola temos o Bucca, que não é propriamente um extremo, com características diferentes do Chico, capacidade de fazer jogo interior, por dentro e equilibrar do ponto de vista numérico, criando vantagens assim como o Alan Ruiz quando joga. Acho que controlámos bem o Benfica. É difícil quando trazem o médio ao corredor. Cria uma indefinição muito grande a associação entre o Di María e o Aursnes. Sabíamos disso, estávamos preparados para isso e, do ponto de vista do jogo jogado, controlámos as coisas mais ou menos bem. Obviamente que sabíamos que nunca iríamos ganhar os duelos todos, ocupar os espaços todos e o Benfica iria aqui ou ali superiorizar. O que definiu o jogo foi o capítulo das bolas paradas que nos coloca muito cedo a perder. Difícil, num ambiente difícil, contra uma equipa que vem depois de uma grande vitória europeia, super motivada e pressionada pelo adversário, a saber que não poderia facilitar. Fica difícil. Tivemos uma boa reação, mas não podemos cometer os erros que cometemos e esperar sair daqui com pontos.
Bola na Rede: Quando chega cria uma dinâmica muito forte à esquerda com o Álvaro Carreras mais baixo e o Akturkoglu a entrar de fora para dentro. Com a titularidade do Schjelderup, o extremo passa a jogar mais vezes dentro e o lateral por fora. Hoje o Akturkoglu volta a ser titular nesse papel por dentro. O que pretende do extremo nesta posição e, nesta dinâmica do corredor esquerdo, o Kokçu, que tem muita importância na saída de bola, com a presença do Manu Silva pode ser libertado destas zonas para jogar um bocadinho mais à frente no campo?
Bruno Lage: Você tramou-me. O que disse está tudo certo e nós temos as possibilidades de fazer as duas coisas e também jogar como disse, e não vou repetir porque se calhar pouca gente entende o que disse e o que eu vou dizer. É também olhar em função do adversário. Viu como o Estrela joga, com os três homens da frente, e o tipo de pressão que podem fazer. Vou eu baixar o Álvaro Carreras para a pressão estar visível à frente do avançado do Estrela ou vou criar uma dinâmica em que os jogadores apareçam nos sítios? Ou o Álvaro estava baixo ou estava outro jogador com esse posicionamento, como você percebeu. Quem é que fez esse posicionamento hoje, de saída a 3?
Bola na Rede: Muitas vezes o Orkun Kokçu.
Bruno Lage: Correto, é isso. Ter as mesmas dinâmicas com posicionamentos diferentes para que não sejamos previsíveis na nossa organização. Você entende, porque fez uma questão muito interessante, e vai entender quando eu digo que precisamos de tempo para criar estas dinâmicas e depois de ter uma, dar-lhe uma segunda, uma terceira, uma quarta porque o adversário tem sempre um sistema diferente, uma forma de pressionar diferente, uma maneira de defender diferente. Temos de ter possibilidade de variar o posicionamento inicial dos jogadores para ir ao encontro da dinâmica que queremos. Queremos uma dinâmica ofensiva, em que se criem imensas oportunidades de golo.