A vantagem nos votos foi larga: 42 contra 10. Reinaldo Teixeira é o novo presidente da Liga de Clubes, o 13.º na história da entidade que reúne as equipas das duas principais divisões do futebol profissional em Portugal. Vem do Algarve, era o chefe do futebol da região onde em rapaz jogou à bola e em adulto manteve um pé no ramo imobiliário e do turismo.

Na sua intervenção após a vitória abdicou das meias-palavras, sem fugir à nuvens da realidade. “Temos de começar imediatamente o nosso trabalho. Hoje mesmo terei uma reunião estratégica com a minha equipa, não há tempo a perder. A nossa obrigação é a defesa dos superiores interesses das SADs. A palavra ‘Liga Portuguesa’ tem assimetrias conhecidas e está a cair no ranking da UEFA”, começou por dizer na Arena Liga Portugal, sede da entidade, no Porto.

Radiografou resumidamente “o problema da sustentabilidade” que se “estende à Liga 2”, reconhecendo o futebol português como “despido de recursos e adeptos das bancadas”, abraçando o realismo: Não vou dramatizar, mas também não vou pintar uma realidade paralela: esta é o nosso ponto de partida.”

Do Algarve para a Liga

Salir é vila sem mar, com vista para a versão de montanhas inventada pelo Algarve, no interior do concelho de Loulé. Brotou dessa terra, há 61 anos, Reinaldo Teixeira, o novo presidente da Liga de Clubes, por escolha própria o dador das mãos que vão arcar com a batata quente da centralização dos direitos televisivos, escaldante tema que há quatro primaveras tem certeza e data limite, mas sobre o qual, a pouco mais de um ano do seu parto forçado, nada se sabe. “É preciso falar menos e fazer mais”, retumbou antes da eleição, certeiro no diagnóstico: desde 2021, quando o Governo publicou o decreto-lei que escreveu na pedra a sua participação no processo e vinculou a Liga e a Federação Portuguesa de Futebol a apresentarem um modelo até 30 de junho de 2026.

Muitas críticas houve desde então apontados ao vazio, bastante diz-que-disse acerca da inexistência, pelo menos pública, de um plano em concreto. “A missão da Liga Portugal tem de ser ir ao mercado e garantir o valor máximo possível”, resumiu o homem de passado ligado à bola, com duas décadas feitas no ecossistema da entidade que passa a liderar, entremeando o tempo com o mundo das empresas e do turismo. Foi, durante duas décadas, um delegado para os jogos da Liga, subindo a coordenador do departamento há nove anos, coincidindo com a sua chegada à presidência da Associação de Futebol do Algarve, a fatia mais lá para baixo de Portugal continental onde se chega após desbravadas as desigualdades de representação do país no púlpito da modalidade.

Há Farense esta época na I Liga, há um ano tinha a companhia do Portimonense, mas dali para cima até às imediações de Lisboa não se vê um clube do Alentejo no principal campeonato desde 2001. Mais longe, o distrito de Castelo Branco desconhece tal coisa há quase 37 anos, o de Leiria conta esse tempo desde 2012 e Santarém tem de ir à secção da década de 70 do seu livro de memórias. Não só aqui, mas também por daqui, se extrai uma desigualdade que Reinaldo Teixeira pretende combater. “Todos os agentes desportivos, jogadores, treinadores, dirigentes e mesmo os adeptos, têm de unir-se num contributo positivo para o espetáculo e para a Sociedade”, disse à Tribuna Expresso, aludindo aos afazeres a que obrigará a centralização dos direitos televisivos, mas cuja mensagem de união repetiu ao falar de outros assuntos.

A par de liderar o Departamento de Delegados e Avaliadores da Liga desde 2015, o licenciado em Gestão e Angariação Imobiliária estava presente nas decisões de várias entidades dessa área, todas da região onde nasceu: era vice-presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, do Núcleo Empresarial do Algarve e da Federação Portuguesa de Turismo Rural, além de administrador da Garvetur, uma das principais imobiliárias algarvias. O seu rasto no mundo empresarial não é de descurar face às suas escolhas: para liderar a mesa da Assembleia-Geral da Liga escolheu António Saraiva, fundador e antigo presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), onde Reinaldo Teixeira integrava o Conselho Consultivo.

Desses tempos apareceu uma crítica: o FC Porto acusou-o de um “conflito de interesses inaceitável” devido a uma parceria no ramo imobiliário com Rui Costa, exigindo “esclarecimentos”. O agora presidente da Liga, cuja candidatura foi subscrita por 17 dos 36 clubes da I e II Ligas, enquadrou que o dito negócio “começou em 2004” e foi “formalizado em 2006 com o presidente atual do Benfica e na altura jogador do AC Milan”, deixando uma garantia: “Em 42 anos de atividade profissional e em várias empresas, não fiz nada que, de forma consciente, suscite incompatibilidade. Atuo dentro dos princípios e dos valores pelos quais a vida deve ser conduzida.”

Os dragões, à semelhança do SC Braga, apoiavam a lista de José Gomes Mendes, embora Reinaldo Teixeira tenha enaltecido que André Villas-Boas lhe chegou a manifestar o seu apoio. Sporting e Benfica secundaram a candidatura do vencedor.

Consigo traz igualmente um cinéfilo e diretor artístico, incumbido de tratar da área dos conteúdos da Liga, pasta relevante para o pacote dos direitos televisivos porque o vendível não se cinge aos jogos - adicionalmente, tal e qual chega a Portugal a parafernália da Premier League, da Séria A, da La Liga ou da Ligue 1, o lote dos direitos de um campeonato será apetecível quanto melhores forem os trabalhos a reboque, como reportagens nas equipas, entrevistas aos protagonistas ou histórias de antigos jogadores lembradas. O responsável por essa área será Francisco Antunez, realizador de filmes, nomeado para três Emmys, os prémios maiores da televisão, e autor de novelas para a RTP, a SIC e a TVI, incluindo a mais recente série dos Morangos com Açúcar.

O mandato de Reinado Teixeira será curto e até 2027, correspondendo à sobra do que faltava ao périplo de Pedro Proença, o único presidente a ser eleito por três vezes para o cargo. Fora ele o último a concorrer à posição com alguém, na ocasião Luís Duque, em 2015. Quase uma década volvida, a Liga voltou a ter uma eleição disputada por mais do que um candidato.

O vencedor, a exemplo do antecessor, muitas preocupações e bolas a pontapear terá na sua mente, mas porventura nenhuma mais sensível do que a centralização dos direitos televisivos, onde terá de deixar 18 clubes contentes e satisfazer a pretensão dos ditos grandes em não receberem menos dinheiro do que o amealhado nas últimas investidas de cada um por si. “Os problemas estão identificados e, contando com todos, têm de começar a ser resolvidos”, trilhou no discurso da vitória. “É preciso concretizar (…) Juntos vamos construir uma Liga para todos e faremos história.”