Durante três horas, num dos recintos mais famosos e lendários do ténis mundial, dois mundos colidiram. Dois universos diferentes cruzaram-se, um a formar-se, a criar-se, cheio de sonhos, e outro já adulto, experiente, mas em constante e eterna expansão, testando os limites do fisicamente possível, levando o desporto para novas fronteiras.

Novak Djokovic, 37 anos, 24 vitórias em Grand Slams, 10 triunfos no Open da Austrália, frente a Jaime Faria, 21 anos e todo ele estreias: em estreia no quadro principal de um major, em estreia num court principal, em estreia diante de uma lenda como Nole.

Antes desta colisão de mundos começar, Djokovic partilhou carícias com os seus filhos. Jaime Faria está mais próximo da idade dos filhos de Novak — Stefan tem 10, Tara tem 7 — do que da idade do seu adversário na Austrália.

O resultado foi o esperado, uma vitória do homem que mais torneios do Grand Slam ergueu na história da bola amarela. Mas, ao longo de 180 minutos, a sensação foi a de um universo em exploração a alargar-se para medir-se à altura do universo que eleva, constantemente, a fasquia do ténis.

“No fim do segundo set e no início do terceiro, tive de parar a tempestade”, disse, no final da partida, Djokovic. Os parciais, com 6-1, 6-7 (4), 6-3 e 6-2, ajudam a entender como Faria chegou a igualar a contenda, tornando-se no primeiro português a ganhar uma partida a Novak. Jaime, o rapaz que há dias confessava à Tribuna Expresso que não conseguia “dormir nem comer” antes do derradeiro confronto da fase de qualificação, causava desconforto a um dos melhores desportistas de sempre.

Para Jaime, foi um momento marcante numa viagem pessoal e profissional de crescimento. Há 12 meses era 394.º do mundo, há 24 meses era 590.º. Agora, quando o ranking ATP for atualizado, deverá ficar às portas do top 100.

Fiel à sua personalidade extrovertida, Faria não se limitou a estar no momento. Aproveitou-o, desfrutou-o, divertiu-se. Serviu regularmente a mais de 210 quilómetros por hora, protagonizou trocas de bola que figurarão muito bem em reels de redes sociais, levando ao delírio do público e à exaustão de ambos os jogadores.

O primeiro set foi uma clássica narrativa Djokoviana. Faria arrancou bem, movendo-se com fluidez, servindo com força e precisão, mas o sérvio farejou cada mini-erro, cada esboço de imprecisão, sugando ao máximo o que podia nessas oportunidade. Perto do court, Andy Murray ia aplaudindo, marcando a nova parceria jogador-treinador que os dois campeões forjaram para 2025.

O português elevou o seu nível a partir do segundo parcial. Fechou um jogo de serviço com um amorti que provocou um primeiro aplauso de Djokovic, um reconhecimento da qualidade de quem estava do outro lado. Rapidamente o aplauso passou, todavia, a alguma irritação.

Quando viu a dificuldade que estava do outro lado, Djokovic entrou em modo protesto contínuo. Protesto pela iluminação artificial, pelo barulho do público, queixas físicas.

Faria teve momentos de atuar sem medo. Sem receio. “Não é fácil jogar contra alguém que não tem nada a perder”, comentou o balcânico após o confronto. O jovem atacou, foi agressivo, subiu à rede, tentou respostas ousadas, tirou partido do seu grande serviço, puxou pelo público, que foi à Rod Laver para ver Nole e ficou para assistir a um divertido embate.

Quando Jaime ganhou o set, Nuno Borges selava, noutro court, a sua vitória. Um momento de felicidade conjunta para o ténis nacional, oportunidade para refletir nas virtudes do trabalho bem feito a nível federativo, uma vitória para o aumento exponencial dos torneios em território nacional, para o que se faz diariamente no Centro de Alto Rendimento no Jamor, para o apoio técnico que é dado a estes jogadores, simbolizado, neste encontro, pela presença serena de Pedro Sousa no local dedicado aos técnicos.

Shi Tang

A intensidade do duelo foi interrompida pela chuva que obrigou a fechar a cobertura do recinto. Jaime Faria não desceu o seu nível, mas Djokovic agarrou-se ao encontro com uma voracidade que é, possivelmente, o melhor elogio que se pode fazer ao comportamento do português.

O miúdo que imita a celebração de Gyökeres só se estreou entre os 400 melhores do mundo em janeiro de 2024. Só entrou entre as 300 raquetes mais cotadas do planeta em março, passou para os 200 primeiros em maio. Debutou na fase principal de um major há dois dias. Tudo isto é novo, tudo isto é uma ascensão que convida ao mesmo otimismo que Faria evidenciou na parte final desta experiência, desta colisão de universos.

Com Djokovic em modo predador, não concedendo nada a quem estava do outro lado, Jaime foi tentando pancadas mais arriscadas. Instantes antes da conclusão da eliminatória, uma dessas direitas, arrojada e quase impossível, caiu dentro. O português riu-se, Djokovic voltou a aplaudir, o público gostou. O jovem não se limitou a estar na Rod Laver, deixando a sua marca bem presente num palco mítico contra um adversário mítico.

A colisão de universos terminou oficialmente quando os dois adversários se aproximaram para o cumprimento final. Ali terminava a ocasião que juntou a lenda ao recém-chegado, mas não sem o primeiro deixar uma mensagem para o segundo.

“Disse-lhe que tinha um futuro brilhante e que tinha de continuar”, confessou Djokovic. Debaixo do aplauso do ditador dos recordes, debaixo do aplauso do público de Melbourne, Jaime Faria saiu da Austrália. Lá entrou como um inexperiente, de lá sai sabendo que, na verdade, ninguém conhece os limites do seu universo em expansão.