
A racionalidade já tinha saído de San Siro junto do molho de adeptos que, acreditando que o Inter não iria conseguir dar a volta à desvantagem na eliminatória, foi andando mais cedo para casa. Aos 90+3’, Francesco Acerbi andava lá na frente, desvinculado das tarefas habituais de um defesa. Não o teria feito se os nerazurri não estivessem em apuros, a fim até de atirarem um central para o ataque, a estratégia da qual não se esperam falhas, um verdadeiro SIRESP dos treinadores.
Neste caso, a ferramenta empunhada pelo desespero funcionou. Acerbi fez o 3-3, forçando o prolongamento onde o Inter seguraria o regresso à final da Liga dos Campeões. A equipa de Milão sorveu a última migalha das probabilidades. Afinal, nunca o internacional italiano de 37 anos tinha marcado um golo na competição. Aliás, esta época ainda não tinha marcado de todo. Quando o fez, e dadas as consequências do ato, tirou a camisola numa exposição zoológica dos leões que tem tatuados na parte da frente do corpo.
Para singrar e viver momentos como este, Acerbi teve que se inspirar nos bichos que gravou na pele. Já tinha a maturidade de 24 primaveras quando chegou à Serie A. No primeiro grande clube que representou, o AC Milan, os responsáveis arranjaram-lhe uma casa em Gallarate, a 40 quilómetros do centro da cidade, para tentarem que o reforço praticasse abstémia.
Muito pelo impacto que a morte do pai teve nas suas atitudes, Acerbi ainda não tinha a “cabeça de um profissional” e levou para o alto nível os desleixos que cometia quando ainda pouco sabiam quem ele era, contou em entrevista ao “L’Ultimo Uomo”. “Eu não tinha respeito por mim mesmo, não tinha respeito pelo meu trabalho, não tinha respeito por aqueles que me pagavam. Muitas vezes chegava ao estágio bêbado, sem ter recuperado da bebida da noite anterior. Para mim, estava tudo bem, porque sempre fui fisicamente forte. Tudo o que eu precisava era de algumas horas de sono e podia jogar.”
A transferência do Chievo para o Sassuolo mudou-lhe a vida. Não pela troca de clube em si, mas pelo que na Emilia-Romagna lhe viria acontecer. A vida de noctívago continuava igual. A porta de casa só voltava a ter notícia de Acerbi às 7h da manhã. Assim que assinou pelo clube, em 2013, descobriu um tumor maligno nos testículos. A normalidade manteve-se intacta. Demorou três semanas a regressar ao campo depois de ser operado.
Quatro meses depois, sofreu uma recaída. Voltou a superar o cancro, mas desta vez com mais dificuldade, recorrendo mesmo a sessões de quimioterapia. “Sem a doença teria ido para a Serie B”, admitiu. Passar por um cancro foi uma “sorte”, pois serviu-lhe de gatilho para se tornar no jogador de alto nível, finalista da Liga dos Campeões, que é hoje.
Recomposto em definitivo do problema, outro lhe surgiu. “Um ano depois da doença, aconteceu algo comigo. Fui dormir como se nada tivesse acontecido e, de manhã, acordei horrorizado. Tinha medo da minha sombra.” Era a ansiedade a consumi-lo. Com ajuda psicológica, também essa foi uma barreira superada.
Antes de rumar ao Inter, esteve cinco temporadas no Sassuolo e outras quatro na Lazio. Conquistou uma Serie A com os nerazurri, mas foi na seleção que ganhou o maior troféu da carreira: o Euro 2020. Sombra de Giorgio Chiellini e Leonardo Bonucci, fez três jogos nessa campanha que culminou com uma vitória nos penáltis, em Wembley. Em março de 2024, na preparação para o Europeu desse mesmo ano, Acerbi foi afastado da concentração da Itália por ter sido acusado de racismo contra Juan Jesus, adversário num Inter-Nápoles.
Na segunda mão da meia-final da Liga dos Campeões, diante do Barcelona, teve novo momento aceso com um oponente. Acerbi alegou perante o árbitro que, no segundo golo do Inter, Iñigo Martínez lhe cuspiu. “O Acerbi festejou junto ao meu ouvido. Foi uma reação desnecessária da minha parte, mas a cuspidela não foi para ele”, defendeu-se o basco.