ÓElvas, ó Elvas! Segundo jogo à vista — «Alentejanos de uma cana! Quem poderia esperar que eles fossem capazes de vir a Lisboa realizar a primeira grande proeza desta edição da Taça de Portugal. Que isso de vir a Alvalade impor um empate aos leões…» — Assim escreveu Alfredo Farinha na primeira página de A BOLA, do dia 4 de Fevereiro de 1985. Porque O Elvas, então a disputar a 2.ª Divisão, veio empatar ao Estádio de Alvalade (0-0, após prolongamento), obrigando o Sporting a outro jogo, para desempate, em Elvas. Esta recordação, de um desafio ocorrido há 40 anos, surgiu-me agora na sequência da boa performance que O Elvas, Clube Alentejano de Desportos, tem evidenciado na atual edição da Taça de Portugal. Na verdade, depois de ter andado mais de trinta anos desaparecido nos distritais, voltou esta época mais forte e determinado para emergir e fazer figura. A tal ponto que, depois da enorme surpresa que foi eliminar o Vitória de Guimarães, vai agora discutir, com o Tirsense, a passagem à meia-final da prova.

Pois, a propósito daquele Sporting-O Elvas de há quatro décadas, recordo uma situação inesperada que então protagonizei… Porque fui forçado a improvisar o relato do prolongamento desse jogo. Em direto. Para a Rádio Comercial. Foi a primeira (e única) vez na minha vida a relatar futebol na rádio. Porque se tratava de um jogo de resultado previsivelmente desnivelado e sem grande história (basta dizer que nem foi incluído no boletim do totobola), a chefia da secção do desporto da Rádio Comercial decidiu não mandar ninguém para fazer o relato deste Sporting-O Elvas. Valeram-se, então, da nossa amizade e colaboração. Alguém de lá, que agora não recordo — talvez o Fernando Correia, o Abel Figueiredo, o Orlando Dias Agudo, o David Borges, o Jorge Perestrelo, o Luís Gouveia (que grande equipa) … — ligou-me na véspera a pedir se não me importava de dar a informação do resultado e um pequeno comentário, durante o intervalo e no final da partida. «Tudo bem. Contem comigo!», afirmei. Acontece que eu estava lá, na Tribuna de Imprensa do velho Estádio de Alvalade, com o saudoso Cruz dos Santos, em serviço (de crónica e reportagem) para o jornal A BOLA. Só que naquele tempo não havia telemóveis. Tive de providenciar junto das telefonistas do clube (D. Sofia e D. Lurdes) no intuito de receber os telefonemas da rádio lá na Cabine de Som (mesmo ao lado da Tribuna de Imprensa), local onde um funcionário anunciava as equipas, lia os anúncios comerciais e punha a música, incluindo a marcha do Sporting, da Maria José Valério. Assim sendo, no intervalo lá fui ao telefone dar conta do que se tinha passado na primeira parte. E no final repetiu-se a cena e o comentário: «O Elvas está aqui, em Alvalade, a cometer uma grande proeza. A equipa, bem organizada, tem-se batido muito bem, sem antijogo, sem rudeza, sem casos de arbitragem, e conseguiu manter a igualdade a zero, obrigando o Sporting a um prolongamento…»

Domingos, o herói do jogo

E aqui suou o alarme. Já não me recordo quem estava no estúdio da Rádio Comercial a comandar a emissão mas lembro-me do pavor que me invadiu quando ele, em direto, falou como se eu fosse um experimentado relatador: «Pois bem. Como já terminaram todos os jogos onde fizemos relato, vamos agora ficar em Alvalade, com o relato do Vítor Cândido, neste Sporting-O Elvas, onde persiste o nulo.» O quê? Eu a relatar? Fiquei ali, apavorado, com o telefone na mão. E o funcionário da Cabine de Som a olhar para mim. A ver a minha aflição. Então e agora? Vamos lá! E assim, nervoso, avancei para um relato sem muito jeito, pausado, sem as habituais gritarias da rádio. Mais tranquilo, como fazem na televisão, descrevendo as jogadas a dizer os nomes dos intervenientes. A narração incidiu sempre no intenso domínio do Sporting. Cada vez mais avassalador. Tanto mais que os alentejanos jogaram o prolongamento com menos um jogador, após a saída de Amado, por lesão (choque de cabeças com Saucedo aos 89'). Porém, o nome que mais vezes pronunciei, enaltecendo as suas intervenções, a demonstrar elasticidade, decisão e segurança de mãos, foi o guarda-redes Domingos Novo. O rapaz da Nazaré (nascido em Angola) foi o grande herói deste encontro, com uma exibição portentosa. Ao ponto do treinador do Sporting, John Toshack lhe ter dado todo o mérito: «Nunca vi coisa assim. Além dos três remates nos postes, o guarda-redes defendia tudo. Um jogo para acabar com 3, 5 ou 7-0, ficou 0-0. O futebol é assim. É taça! Ainda agora, em Inglaterra, o York City (4ª divisão) eliminou o poderoso Arsenal». Já Manuel Fernandes mostrava-se triste: «Tantas oportunidades e nem um golo fizemos… O Elvas bateu-se bem e o guarda-redes ficará na história do clube.»

«A fazer figura na Taça»

O setubalense Carlos Cardoso era o treinador de O Elvas: «Estamos a fazer figura na taça. Depois de eliminarmos o Belenenses (da 1.ª divisão), empatar agora com o Sporting, e forçá-lo a jogar em Elvas…» E, já perspetivando esse jogo, atirou: «Como diz o alfaiate: 'ao pé do pano é que se talha a obra'!»

Naquele tempo, quando os jogos (da Taça de Portugal) terminavam empatados (após prolongamento), eram repetidos em casa do adversário. Por isso, o Sporting teve de ir a Elvas disputar a eliminatória. Tratou-se de uma jornada memorável. Apesar de ter sido numa quarta-feira, compareceram mais de 10 mil pessoas, lotação esgotadíssima, com gente a extravasar das bancadas do Estádio Municipal. Além da multidão que, no exterior, arranjou local de observação nas zonas circundantes. O Sporting venceu a eliminatória (2-0, golos de Sousa e Jaime Pacheco) e O Elvas (da 2.ª divisão) arrecadou receita de 3.500 contos.

Vítor Damas homenageado

Naquele dia, Vítor Damas realizou o seu 600,º jogo oficial pelo Sporting. Acabaria por registar 743 (três anos mais tarde, já com 41 anos), no final da carreira. O seu primeiro jogo oficial foi nos Principiantes, 24 anos antes (exatamente a 4/2/1961). Por isso, o presidente João Rocha, com os vices Alexandre Batista e Octávio Barrosa, desceram ao relvado para lhe entregar uma placa alusiva. «Foi uma grande e agradável surpresa. Quero agradecer à Direção do Sporting por esta distinção e por me fazer lembrar, com prazer, a minha já longa passagem por este grande clube», declarou-nos, então, o mítico guarda-redes, que naquela época havia regressado ao Sporting, depois de oito anos por outras andanças.

É pá! Isto foi há 40 anos… Como o tempo passa!