Não era expectável ver um ser humano ali em cima, agarrado a estreitas pegas colocadas por cima de uma piscina e a baloiçar-se para conseguir atirar o corpo pujante até à margem que o colocaria a salvo de uma molha. À sua frente, uma barreira cuja inclinação faria das palavras rampa e parede sinónimas. Na primeira tentativa de trepar um obstáculo que obrigaria qualquer outra pessoa a escolher outro caminho, falhou e só à segunda se encavalitou no topo. Naquela plataforma estava o botão onde tinha que carregar para concluir o percurso.
Na última temporada da versão alemã do programa “Ninja Warrior”, este foi o único circuito que Gary ‘Hangtime’ Hines conseguiu acabar. Nas seguintes rondas, caiu à água contaminada com a crueldade da desqualificação.
Desta vez, o norte-americano apareceu a usar um penteado coríntio a coroar o tronco com o filtro da nitidez no máximo, um bigode com volutas, calções que o faziam parecer estar a usar à volta da cintura uma toalha de praia com a bandeira dos Estados Unidos desenhada e um par de meias com um aileron em forma de asas. Esta figura sui generis atirou-se aos televisores do público germânico em nove edições do show, tendo ainda participado uma vez no formato norte-americano, aquele que celebrizou o conceito mesmo que o “Ninja Warrior”, um concurso de obstáculos que testa a capacidade atlética dos concorrentes, tenha surgido no Japão.
A primeira vez que participou no programa, em 2016, foi por “pura sorte”. Gary Hines acabou recrutado “numa das últimas cidades em que eles fizeram castings”. “Quase esperei demasiado tempo”, suspirou aliviado numa entrevista, em 2017, ao portal Team Handball News. “Um amigo disse-me que o programa ia realizar-se pela primeira vez na Alemanha e que eu devia preencher o formulário e fazer o casting.” Neste processo, a produção faz “testes desportivos” com “exemplos de obstáculos, mas não com as dimensões reais” para separar aqueles que “são mesmo atletas e quem só quer brincar”. Depois da estreia, vai concorrer “até não conseguir mais”.
Certamente que não se mudou para a Alemanha de modo a tornar-se ninja profissional. O motivo do êxodo foi o andebol. É na condição de internacional pelos Estados Unidos que vai defrontar Portugal no Mundial 2025, num jogo do grupo E, esta terça-feira, onde também estão Brasil e Noruega.
Durante o ensino secundário, Gary praticava basquetebol, atletismo e futebol americano. Aos 14 anos experimentou o andebol e convenceram-no a ficar quando lhe disseram que ia ser o melhor e não apenas mais um. Não é difícil, visto que a modalidade está no fundo das preferências dos atletas dos Estados Unidos. Natural de Atlanta, começou por empacotar a rara impulsão para a levar a Tenerife, local onde um clube o contratou após assistir a um vídeo de melhores momentos. A estadia foi curta. A equipa perdeu um patrocinador e teve que abdicar do jogador que só não atua como pivô, mas Espanha abriu-lhe as portas da Europa.
Seguiu-se a Alemanha e um percurso pelos escalões secundários. “A minha maior conquista aconteceu na segunda época lá, na minha primeira equipa profissional. Marquei 300 golos numa época e, pelo que sei, nenhum outro jogador fez isso depois de mim na Quarta Divisão”, escreveu no site Untold Athletes. Na sua nada parcial opinião, considera que só não chegou mais longe porque não tem agente, como protestou no Team Handball News. “Não tenho alguém perto de mim a ligar às equipas. Se não tens bons contactos, estás numa ilha.”
O Mundial não parece um cenário nada mau para dar nas vistas, embora Gary Hines chegue com 40 anos. Aliás, esta é a segunda vez consecutiva que os Estados Unidos chegam à competição, sendo que só não a jogaram em 2021 devido a um surto de covid-19 que assolou a equipa de Robert Hedin, sueco auxiliado pelo membro do plantel que, no ano de 1996, esteve nos Jogos Olímpicos de Atlanta, Darrick Heath. Em 2023, a seleção norte-americana ficou no 20.º lugar.
Gary Hines tinha 18 anos quando se estreou na equipa de andebol dos Estados Unidos e logo com uma medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos de 2003. Em Los Angeles 2028, o jogador mais jovem de sempre a fazê-lo vai ter já 44 anos. O tempo voa mais do que ele.