É o prato dos pratos, o crème de la crème para o fim de ano. O dérbi de domingo com João Pereira no papel de mero (tele)espetador domina os debates, enche as agendas, o réveillon a 29 em Alvalade promete muito fogo de artifício.
Na véspera acontece o dérbi da Invicta e tudo o que resultar do FC Porto-Boavista e do Sporting-Benfica definirá o topo da Liga portuguesa, que até pode ficar bicéfalo ou com os leões nos 40 pontos e a beneficiar de uma poderosa injeção de confiança.
Disso, de injeções, percebe o Dr. Frederico Varandas. Primeiro vitaminou em dose exagerada o substituto de Ruben Amorim e agora, pressionado pelos lenços brancos, prepara-se para lhe espetar uma agulha nas costas, traindo as suas próprias convicções.
Os que carregam o fardo das decisões difíceis e se recusam a ficar reféns do acaso, dos petardos e dos caprichos exteriores não devem ser um exemplo de contorcionismo, mesmo que embalados por dois campeonatos em quatro.
No fundo, esse tem sido o maior problema para Varandas. A coragem evidenciada nos primeiros anos envenenou-lhe o raciocínio e hoje dispara para todas as direções, confiando que acerta em todos os alvos sem ser capaz de descobrir o rosto do verdadeiro inimigo.
Estabilizado no plano financeiro, com sucesso desportivo nas principais modalidades, inclusive no contexto europeu, com acelerada remodelação e modernização das infraestruturas e com meia dúzia de figuras no plantel a suscitar cobiça internacional, o Sporting, do nada, parece que foi tomado de assalto, perante a permissividade do guardião do templo, demasiado anestesiado pelo brilho do espelho.
O anúncio de saída de Hugo Viana terá sido o primeiro grande golpe. De repente, um dos vértices do triângulo dourado (Varandas-Viana-Amorim) foi revelado como o diretor desportivo do Manchester City a partir de junho de 2025, despertando um silêncio institucional que parecia (cor)responder a mais uma cinzenta notícia no escritório.
Como se já não fosse suficientemente estranho o facto de um alto quadro estar envolvido em simultâneo na planificação de dois departamentos de dois clubes de exigência máxima, passados uns dias acabou o treinador por ceder à tentação de outras cores de Manchester, passando a vestir-se com o vermelho do United.
CRÈME LESA PÁTRIA
Face à coincidência destes rombos no porta-aviões verde-e-branco, não fica claro qual dos protagonistas se antecipou ou agiu em conformidade com as novas circunstâncias. Talvez Viana tivesse sido informado da iminente saída de Amorim e tivesse preferido soltar a informação do ingresso no City para evitar que fosse condenado por saltar do barco depois da obrigatória troca de timoneiro.
Ou talvez tenha sido Amorim a mexer na máquina do tempo sabendo que o diretor desportivo e amigo de longa data passaria a dividir atenções com o aflito Pep Guardiola.
No meio deste xadrez palaciano, o líder da SAD ficou mais isolado e acreditou que conseguiria por artes mágicas voltar a desencantar antes do prazo um técnico convincente e agregador, conjeturado quando Ruben pôs no calendário uma data certa para o fim de ciclo.
Caso tivesse seguido à letra o que pediu a João Pereira, ou seja, caso tivesse apresentado o jovem míster sem fazer ondas, sem furar o guião, guiado pela prudência em vez da ousadia desmedida, o presidente não teria ultrapassado os limites, estaria sempre a salvo, protegido pelo gigantesco guarda-chuva aberto pela renúncia de Amorim.
Ao preferir fazer uma espécie de bluff, sugerindo ser possuidor de cartas de vidente que lhe garantiam daqui a quatro anos a transferência de João Pereira para outro colosso continental, facilitou o trabalho dos que aplaudem as escorregadelas mediáticas e as promessas delirantes.
Por causa disto, a verificar-se a chicotada psicológica na véspera do dérbi, a mesma roça um populismo atroz e representa o cúmulo da contradição. Se nem sequer se der ao trabalho de esperar pelo resultado do dia 29, depois de ter confessado que João Pereira entrou no pior contexto possível, enfrentando uma onda de lesões que fustigou jogadores nevrálgicos e enfrentando também uma onda de erros de arbitragem, Frederico Varandas esgota a margem de erro que possuía e faz da sua recente gestão um imenso Carnaval.
A nomear esta semana Rui Borges ou qualquer outro colega de profissão, ao arrepio das justificações anteriores, a estrutura, toda ela, embarca numa missão suicida. A partir daí só vale ganhar. O insucesso devolve o caos a Alvalade e quem leva máscara para a ceia de Natal ou de Carnaval sabe que a perda do bicampeonato é o crème de la crème