![Trump, o destruidor](https://homepagept.web.sapo.io/assets/img/blank.png)
Entre as muitas novidades trazidas pela nova administração Trump na Casa Branca, algumas das mais chocantes, para além de preocupantes, dizem respeito à política externa norte-americana – ou talvez seja mais rigoroso chamar-lhe “nova política externa norte-americana”, tendo em conta a triste quebra do legado do país numa série de domínios internacionais que esta administração rapidamente veio a personificar.
Trump é um homem de negócios que está e vai continuar a tentar negociar a política, como se os Estados Unidos de uma empresa se tratassem, e como se os norte-americanos fossem meros recursos humanos ao serviço dessa empresa. Veja-se, por exemplo, o que o recém Presidente pela segunda vez propôs recentemente para o futuro da Faixa de Gaza – um negócio imobiliário, precisamente! Mas a política não deve ser um negócio, muito menos o negócio de um homem só, ou de alguns. Ao “Trumpificar” a América, Donald Trump está a retirar ao país uma parte da sua missão histórica no mundo, nomeadamente no que concerne à sua política externa.
Se quisermos, essa missão remonta a 1776 e à Revolução Americana, remonta a George Washington e aos Founding Fathers. Mas remonta também a uma fase mais adiantada da História, aos anos 1980 e ao caminho para o fim da Guerra Fria, quando uma das grandes preocupações da administração Reagan era a libertação e democratização dos povos oprimidos, pelo comunismo soviético ou quaisquer outras formas de ditadura. Uma proposta recente de Donald Trump promete cortar laços com esta secção da história da América, num contexto em que, diga-se de passagem, os americanos até foram bem sucedidos e os valores da democracia e liberdade saíram vitoriosos na luta contra o totalitarismo soviético.
Uma das mais importantes criações na América desta época foi uma instituição não governamental, cujo principal intuito era o de levar a democracia ao resto do mundo: o National Endowment for Democracy (NED). Tratava-se da concretização de uma ambição do Presidente Reagan para pôr em marcha a sua estratégia de demonstrar a superioridade dos valores democráticos relativamente às autocracias no mundo, em particular o comunismo soviético. Nesta altura (década de 1980), os avanços do expansionismo soviético eram notórios, em particular no Terceiro Mundo, e Reagan chega ao poder com toda uma mundivisão renovada para a política externa dos Estados Unidos, por um lado para travar essa expansão e, por outro, para difundir a democracia no mundo. Fê-lo, justamente, com a ajuda do NED, uma organização nascida em 1983, simultaneamente com o apoio de democratas e republicanos, e com uma primeira missão no contexto da Guerra Fria: ajudar, material e/ou financeiramente, aqueles que desejavam ver-se livres do jugo soviético por detrás da Cortina de Ferro.
Se estiver a perguntar-se como é que se ajuda materialmente alguém a sair da ditadura, é bom sinal: significa que, muito provavelmente, estão ao seu dispor todas as ferramentas e meios próprios de um regime democrático e que nem sequer se dá conta de que esses bens e hábitos tão básicos o rodeiam e auxiliam diariamente. O mesmo não se passava, por exemplo, na Europa de Leste dos anos 1980. Não havia papel e canetas para eternizar e partilhar ideias, não havia jornais e rádios livres, não havia máquinas de escrever, não havia locais de reunião e/ou associação seguros, não existiam as mais básicas liberdades, de expressão, opinião, associação. O NED foi um instrumento fundamental nos processos de libertação dos povos Leste-europeus em 1989-91. Um dos mais conhecidos destes processos é o da Polónia, onde o Solidariedade foi diretamente apoiado pelo NED, com dinheiro, bens e ideias.
Em 2025, Trump e a sua comitiva desligam-se destas conquistas e anunciam o bloqueio ao financiamento do NED, com tudo o que isso implica para a instituições e os seus funcionários. Importa salientar que, desde 1983 a esta parte, o NED cresceu exponencialmente em dimensão e recursos humanos, numa evidência de que a democracia é um dos valores sobre os quais qualquer administração, democrata ou republicana, (supostamente!) deseja investir. O afastamento desta forma de estar põe em perigo o lugar que, afinal, a democracia ocupa no seio desta nova administração. Parece que deixa de ser considerado desejável levar a democracia ao resto do mundo, numa divergência preocupante face ao que tem vindo a ser, ao longo de décadas, um pilar essencial da política externa norte-americana.