A consciência - essa sensação de estar presente, de ver, ouvir e sentir - é um dos maiores mistérios da ciência. Um estudo de sete anos com mais de 250 participantes vem lançar nova luz sobre a questão e desafia as duas principais teorias sobre onde e como ela se forma no cérebro.

A consciência está no centro da experiência humana. É aquilo que nos permite ver e ouvir, imaginar e sonhar, sentir prazer ou dor, medo ou amor. Mas onde, exatamente, se origina este fenómeno no cérebro? Esta é uma pergunta que há décadas intriga neurocientistas e clínicos.

Um novo estudo internacional, publicado na revista Nature, oferece novas pistas e desafia duas das teorias dominantes sobre o tema.

Durante sete anos, investigadores de 12 laboratórios nos Estados Unidos, Europa e China analisaram a atividade cerebral de 256 voluntários enquanto estes observavam imagens de rostos e objetos. Recolheram dados de diferentes tipos: atividade elétrica e magnética, fluxo sanguíneo e padrões de comunicação neuronal.

O objetivo era perceber quais as regiões do cérebro associadas à experiência consciente.

A consciência pode não estar onde se pensava

O estudo revelou que a consciência poderá não ter origem nas regiões frontais do cérebro - associadas à inteligência, raciocínio e tomada de decisões - mas sim nas zonas posteriores, responsáveis pelo processamento sensorial, como a visão e a audição.

"Os dados apontam claramente para o córtex posterior. Ou não encontrámos qualquer sinal de consciência na parte frontal do cérebro, ou os sinais eram muito mais fracos do que na parte posterior", explicou o neurocientista Christof Koch , do Instituto Allen, em Seattle, um dos autores do estudo.

Por outras palavras, a inteligência é sobre fazer, enquanto a consciência é sobre ser.

Duas teorias em confronto - e nenhuma sai vencedora

O estudo confrontou diretamente as duas principais teorias científicas sobre a origem da consciência:

Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global (GNWT): defende que a consciência emerge nas regiões frontais do cérebro, onde a informação relevante é amplamente distribuída e acedida pelas outras áreas cerebrais.

Teoria da Informação Integrada (IIT): propõe que a consciência resulta da integração de informação entre várias partes do cérebro, formando uma rede unificada que gera a experiência consciente.

A equipa detetou ligação funcional entre as áreas visuais (posteriores) e as frontais, o que mostra como a perceção se relaciona com o pensamento. No entanto, nenhuma das teorias saiu claramente validada: não foram encontradas ligações duradouras suficientes na parte posterior do cérebro para sustentar a IIT, nem sinais consistentes na zona frontal para suportar a GNWT.

“Era evidente que nenhuma experiência isolada conseguiria refutar decisivamente uma teoria. Elas partem de pressupostos diferentes e os métodos atuais ainda são limitados para produzir uma conclusão inequívoca. Ainda assim, aprendemos muito sobre ambas as teorias - e sobre como e onde, no cérebro, a experiência visual pode ser descodificada", afirmou Anil Seth , especialista em neurociência da Universidade de Sussex.

Aplicações clínicas e éticas

Este avanço na compreensão da consciência tem implicações práticas nas perturbações da consciência, como os comas ou os estados vegetativos e pode ajudar a identificar casos de consciência encoberta ou oculta em pessoas que, após lesões cerebrais graves, permanecem acordadas mas não conseguem comunicar. Casos assim ocorrem, por exemplo, em estados vegetativos ou comas prolongados e afetam cerca de um quarto dos doentes, segundo umainvestigação publicada no ano passado no New England Journal of Medicine.

“Se um paciente permanece neste estado por vários dias sem sinais de recuperação, inicia-se muitas vezes uma discussão com a família sobre a suspensão de tratamentos que mantêm a vida. Saber onde procurar sinais de consciência no cérebro pode mudar decisões críticas. Pode permitir-nos reconhecer que aquela pessoa ‘está lá’, mesmo que não o consiga mostrar", refere Koch.