O ataque terrorista em Magdeburg, a heroificação de Luigi Magione e a rusga no Martim Moniz têm um ponto em comum: quando os moderados falam baixo, os radicais gritam, e em vez de bom senso espalham-se teorias conspirativas e argumentos incendiários.
Ainda os factos estavam por apurar quanto ao que tinha exactamente acontecido naquele fim de dia de sexta-feira, 20 de Dezembro, já os anti-imigração do costume acusavam os suspeitos do costume: um atentado num mercado de Natal na Alemanha tinha de ser obra de um terrorista islâmico, provavelmente refugiado ou ilegal. Provando, portanto, que eles andam aí para nos ameaçar.
O ataque foi, de facto, perpetrado por um homem vindo da Arábia Saudita em 2006, que dez anos depois obteve estatuto de refugiado (isso, sim, dez anos sem ter o estatuto resolvido, é uma grave normalidade). Mas é aqui que começa o problema para as teses do costume. Taleb Al-Abdulmohsen não é um terrorista islâmico, no sentido comum do conceito. É um simpatizante da Alternative für Deutschland (AfD), o partido da Extrema-direita alemã, e as suas teses radicais expostas nas redes sociais são contra a suposta excessiva generosidade alemã quanto à imigração de origem islâmica (exactamente o que Taleb Al-Abdulmohsen é) e contra o papel de Angela Merkel (que Taleb considerava dever ser executada) num suposto processo de islamização em curso na Europa. Al-Abdulmohsen bebeu do discurso radical da extrema-direita alemã e resolveu agir em consequência e com absoluta radicalidade. Os radicais do seu lado presumiram-no do outro. Mas isso é um detalhe. Assim como o facto de ser refugiado é um detalhe. Já o facto de alguém radicalizado cometer um crime não é detalhe nenhum. Nem surpresa.
Dou outro lado do Atlântico, dez dias depois de ter morto Brian Thompson, o CEO da UnitedHealthcare, Luigi Mangione foi detido na Pensilvânia e está agora em Nova York para ser julgado. O que mais impressiona neste crime, para além do crime propriamente dito, é o ambiente político e social que tem levado à heroização do criminoso. Até a roupa que usa é comentada.
Em Portugal, houve quem escrevesse que tinha mais pena do homicida do que da vítima, porque tinha estragado a sua vida. Esta opinião, porém, que parecia um assomo de radicalismo brutal, é apenas a réplica de uma tendência bem presente nos Estados Unidos da América nos últimos dias. Com efeito, o que por ali não falta, sobretudo na rede Tik-tok, são defensores do acto e da virtude moral do assassino de um gestor de uma empresa de seguros de saúde (na América). Subitamente, para muitos jovens da esquerda americana, o crime absoluto compensa, se a causa for justa. Não é preciso ser-se muito sensível para imaginar tudo o que pode decorrer daqui.
Por último, a rusga na rua do Bemformoso, em Lisboa. Assim que apareceram as imagens de várias pessoas viradas para a parede a serem revistadas, houve quem fosse buscar imagens de judeus a serem revistados no gueto de Varsóvia, nos tempos da Guerra, a sugerir que uma coisa e outra eram comparáveis. O facto de no gueto de Varsóvia, além de terem sido revistados, terem mesmo morrido, muitas vezes de fome, mais de oito dezenas de milhares de judeus não fez quem fez essa comparação pensar na distância óbvia entre uma coisa e outra. O importante era fazer um ponto sobre a suposta deriva securitária extremista do governo. Obviamente, quem o faz assim, não está preocupado com o efeito do que diz. Quer marcar uma posição e chamar radicais aos outros. Muitas vezes jurando ser radicalmente moderado. Como se nota, aliás.
É absolutamente legítimo discutir o que ali aconteceu. É sinal de maturidade democrática. Mas comparar uma rusga feita durante o dia, numa via pública, liderada por uma procuradora do Ministério Público, com o que aconteceu em Varsóvia entre 1940 e 1942 só pode ter uma de duas consequências: ou desvaloriza os horrores do gueto de Varsóvia, ou exagera brutalmente o que é legítimo criticar, a ponto de tornar a crítica numa caricatura, dando argumentos a quem (e há quem pense assim) acha que a polícia fez foi pouco.
Em todos estes três casos recentes há uma nota comum: as opiniões radicais chegam depressa aos destinatários de cada uma delas, e espalham-se como brasas. Pouco depois, o espaço público incendeia-se. Enquanto isso, as posições dos moderados vão ficando rarefeitas. Os que acham que o ataque de Magdeburg não prova a natureza criminal dos imigrantes e refugiados, antes pelo contrário; os que pensam que Luigi Mangione é inequivocamente criminoso e que nenhuma causa justifica um homicídio destes; e os que distinguem o direito de criticar uma operação policial do que é uma caricatura perigosa da História para efeitos políticos, são menos audíveis do que todos os outros. A polarização da sociedade também é isto: gente virtuosa que tem sempre um inimigo pronto para acusar. E o silenciamento dos que não pensam radical.