
O tema da corrupção tem sido tão falado que a maioria da população portuguesa já considera que é um problema comum, como explica Gonçalo Matias, Presidente do Conselho de Administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Importa dizer que esta análise não se refere apenas ao que a lei estabelece como ilegalidade ou crime. Há também situações de abuso de poder ou da posição de autoridade que se ocupa para obter vantagens pessoais indevidas.
É esta definição mais alargada, sociológica, do fenómeno da corrupção que preocupa os cidadãos.
Em Portugal, a ideia que se tem sobre a corrupção é muito negativa e não é de agora. Pelo menos, desde que há dados, os portugueses consideram que a corrupção é comum no país, em números bem acima da média europeia. São entre 20 e 30 pontos percentuais de diferença face aos vizinhos europeus.
Apesar disto, a experiência que as pessoas dizem ter, diretamente, com situações de corrupção é consistentemente baixa.
Só um por cento dos inquiridos testemunharam ou foram vítimas de corrupção no último ano. Isto quer dizer, no fundo, que a perceção de corrupção generalizada é relativa, no essencial, ao mundo da política e dos negócios. Basta pensar que mais de metade das pessoas, 55%, acredita que a única forma de ter sucesso nos negócios em Portugal é cultivando ligações políticas.
Sabemos onde há mais perceção de corrupção para as pessoas?
Analisando os dados do Barómetro da Corrupção lançado pela Fundação no ano passado, vemos, em primeiro lugar, que todas as esferas da vida social são consideradas, pelo menos, medianamente corruptas. O destaque vai para os clubes de futebol, partidos políticos e autarquias.
Esta sensação de que a corrupção permeia toda a sociedade é motivo de preocupação, em particular para os políticos, já que mina a confiança dos cidadãos nas instituições e na própria democracia. Sabemos que é um fenómeno que afasta as pessoas da política, ao mesmo tempo que torna mais atrativos discursos de índole populista.
O impacto na economia
A corrupção tem impactos diretos na atração de investimento e no desenvolvimento da economia.
De acordo com um inquérito do Eurobarómetro dirigido às empresas portuguesas, a seleção de alguém para um emprego ou benefício por causa das suas conexões e independentemente das suas qualificações ou mérito, o nepotismo, e a corrupção, estão entre os principais problemas enfrentados pelos empresários na realização de negócios no país.
Ainda assim, e numa nota mais positiva, três em cada quatro empresas afirmam que a corrupção não as impediu de ganhar um concurso público ou adjudicar um contrato público.
É um retrato inquietante, mas para já falamos de perceções. Estas perceções condizem com a realidade ou não? O que nos dizem os dados?
É importante referir que há vários fatores que influenciam a perceção de corrupção, nomeadamente as investigações judiciais e a cobertura mediática do tema. Por exemplo, durante a crise financeira era o sector bancário quem ocupava o terceiro lugar no topo dos setores percecionados como mais corruptos.
Anos mais tarde, em 2024, era a contratação pública, depois de muito debate sobre o PRR e a contratação de emergência durante a pandemia.
Medir a corrupção é uma tarefa difícil, por alguns motivos: há falta de dados e de transparência, há variadíssimas formas de corrupção, há a questão da dificuldade da prova e, desde logo, o facto de a natureza da corrupção passar precisamente por tentar, a todo o custo, manter-se oculta.
Condenados por corrupção
Mas olhemos, então, para o número de crimes registados. Desde 2000, o número de crimes de corrupção registados não tem variado muito.
De acordo com a Direção Geral da Política de Justiça, o número de crimes (entre corrupção, peculato, abuso de autoridade, entre outros) tem-se mantido mais ou menos estável, com uma média de 197 por ano. Contudo, crimes registados não significam condenações em tribunal, uma vez que há possibilidade de recurso.
Se olharmos para os condenados em primeira instância por corrupção, observamos um ligeiro aumento nos últimos anos face ao início do século XXI.
No entanto, as estatísticas sobre condenações em primeira instância não revelam quantos indivíduos submeteram recursos nem quantos estão de facto a cumprir pena.
Sabemos, por exemplo, que há mais processos-crime na administração local do que na central, mas isso pode apenas significar que os métodos do crime são mais fáceis de provar na primeira.
Tal como o aumento no número de investigações e condenações poderá querer dizer que as autoridades estão a trabalhar melhor e não necessariamente que há mais corrupção.
Além disso, só os crimes mais graves de uma investigação são registados e nada sabemos sobre recursos, absolvições em instâncias superiores ou mesmo duração dos casos após a primeira instância.
Em suma, as estatísticas oficiais relacionadas com a repressão da corrupção são bastante incompletas e não oferecem um retrato fidedigno da realidade.
A corrupção é um problema exclusivamente português?
Vamos então tentar perceber como nos posicionamos no panorama internacional, destacando os vários índices internacionais que combinam dados sobre repressão de corrupção, perceções sobre o fenómeno e também prevenção.
Como é que se avalia a robustez da prevenção da corrupção? Para isso é preciso identificar os mecanismos de integridade e as oportunidades de corrupção que se colocam a indivíduos, instituições e processos de decisão pública.
O Índice de Integridade Pública analisa seis dimensões para avaliar a capacidade dos estados de controlar a corrupção. São elas a transparência na administração pública e nos orçamentos, a independência judicial, a disponibilidade online dos serviços do Estado e a liberdade da imprensa.
Onde está Portugal no ranking da corrupção?
Para uma imagem mais completa da ausência de corrupção nos vários países, podemos olhar, por exemplo, para o World Justice Project. Há países em pior situação do que Portugal, mas há também várias democracias que nos ultrapassam, como é o caso da Dinamarca ou da Noruega.
Atualmente, ocupamos o 25º lugar, num total de 142 países analisados.
Ao longo dos últimos anos, Portugal tem descido ligeiramente nos rankings. Seja como for, há uma relativa estabilidade na avaliação que é feita do país, o que sugere que pouco ou nada se tem alterado no controlo da corrupção e na proteção das instituições contra práticas corruptivas.
O poder político tem feito o que é preciso para combater a corrupção?
Não tem faltado legislação focada no problema da corrupção, motivada tanto pela pressão da opinião pública como pela atenção que internacionalmente tem sido dada ao tema.
Um exemplo disto é o GRECO - Grupo de Estados Contra a Corrupção, do Conselho da Europa, que tem avaliado recorrentemente Portugal e feito recomendações dirigidas aos deputados, juízes e Ministério Público.
Desde os anos 80, a regulação sobre corrupção tem sido incremental, mas fragmentada. Em 15 legislaturas foram aprovados sete pacotes anticorrupção, cinco desde o ano 2000, o último dos quais em junho do ano passado.
Dentro de cada pacote, há ainda que notar as numerosas alterações às leis. Por exemplo, a Lei n.º 52/2019, que estabelece o Regime do Exercício de Funções por Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, já vai na sua sexta versão em cinco anos.
A lei ajuda ou atrapalha no combate à corrupção?
As reformas têm sido, por norma, reativas, circunstanciais e feitas “à medida” dos escândalos e das polémicas que as suscitam. Ou seja, não têm revelado real capacidade para gerir conflitos de interesses de forma contínua, isto é, antes, durante e depois do exercício de um determinado cargo público.
Além disso, tem-se remetido para a lei o que é do domínio da ética, o que nivela por baixo os padrões de comportamento.
Não tem sido feita uma avaliação do que correu melhor ou pior no pacote anterior e, além disso, esta torrente de alterações legislativas não oferece estabilidade legislativa às autoridades.
Finalmente, e apesar de tantas alterações à lei, nove anos e quatro relatórios depois, só três das 15 recomendações feitas pelo GRECO em 2013 foram implementadas por Portugal. Perante isto, os portugueses não estão satisfeitos com o combate à corrupção.
Uma em cada duas pessoas inquiridas pelo Barómetro da Fundação considera que o combate à corrupção no nosso país não é nada eficaz e apontam algumas razões.
Em primeiro lugar o que consideram ser “megaprocessos demasiado complexos e intermináveis”, em segundo lugar a “existência de demasiadas opções de recurso” e, por último”, a “dificuldade de prova” nestes casos.
O problema de reputação da política
As pessoas, no geral, não têm confiança nos políticos. Como é que esta realidade pode mudar?
O Barómetro da Corrupção veio mostrar que a política tem, neste momento, um problema reputacional. Em média, as pessoas consideram que a política só atrai pessoas que procuram benefícios próprios à custa do bem comum e, talvez mais preocupante, que até as pessoas honestas se deixam corromper, a partir do momento em que passam a ocupar um cargo de poder.
Como reverter este cenário?
O último estudo da Fundação sobre ética e integridade na política, lançado em 2022, olhou para as opiniões dos políticos e comparou-as com as dos cidadãos e apontou alguns caminhos para o combate à corrupção.
Em primeiro lugar, os investigadores concluíram que os políticos estão disponíveis para apoiar a adoção de medidas de autorregulação. Alguns exemplos incluem a publicação das declarações patrimoniais dos candidatos, sobretudo antes de uma eleição, o registo de reuniões com grupos de interesse e de outras atividades de lobbying e sanções disciplinares a políticos envolvidos em casos de corrupção.
Por outro lado, os eleitores estão dispostos a recompensar eleitoralmente, isto é, a votar em candidatos comprometidos com a integridade e com estas medidas. Ou seja, há soluções.
Quando falamos de corrupção, tendemos a focar-nos no carácter de determinada pessoa, na sua idoneidade. Porém, e ainda que isso seja importante, é possível ir mais além, fortalecendo a democracia com mecanismos que impedem que a corrupção contamine as várias esferas da sociedade, em particular a política.