Os portugueses vieram confirmar nas urnas o que há muito se sentia. Era evidente para alguns — embora impercetível para muitos — que o PS caminhava para um destino errado: para longe do seu eleitorado tradicional e, mais grave ainda, para perto de ninguém. A derrota foi, portanto, mais do que anunciada. Foi construída. Decisão a decisão. Discurso a discurso. Tijolo a tijolo.

A noite eleitoral de ontem não foi apenas má — foi histórica, pela negativa. Nem com Almeida Santos, nem com Vitor Constâncio, o PS tinha conhecido uma derrota com este peso simbólico e político. Não é apenas o número de deputados que impressiona. É a constatação de que um partido que há menos de três anos conquistou uma maioria absoluta foi agora empurrado, ao que tudo indica, para a posição de terceira força política no Parlamento. A pergunta impõe-se com urgência: como é que se perde tanto em tão pouco tempo?

Poder-se-ia dizer que o Partido Socialista ficou órfão de António Costa, e que essa orfandade se traduziu num vazio estratégico e numa perda de norte. Mas a realidade é ainda mais desconfortável: o PS teve, efetivamente, uma estratégia. Teve uma orientação clara. O problema é que essa estratégia falhou redondamente — e não por falta de definição, mas por falta de encaixe no país real.

Pedro Nuno Santos, ainda que herdando em larga medida o legado programático de Costa, conduziu o partido para um campo discursivo e estético que não é o seu. Tentou colar ao PS uma roupagem de radicalismo soft, de inconformismo ensaiado, de proximidade forçada com franjas do eleitorado que, historicamente, nunca reconheceram no PS o seu espaço natural. O resultado foi o afastamento daqueles que sempre foram o coração do projeto socialista: a classe média urbana, os profissionais liberais, os pequenos empresários, os jovens qualificados, os pensionistas. Portugueses para quem o PS foi, durante décadas, sinónimo de elevador social, de estabilidade, de progresso e de esperança. Em menos de nada, já não confiavam no partido de toda uma vida.

E não, o partido não conseguiu compensar essa perda nunca, aliás, conseguiria. A aposta num discurso mais à esquerda não se traduziu em maior mobilização das classes mais desfavorecidas— antes pelo contrário. Basta olhar para o crescimento do Chega nas zonas economicamente mais frágeis do país. Pedro Nuno tentou falar aos esquecidos, mas acabou a falar sozinho.

A verdade é esta: o PS afastou-se do seu eleitorado e não se aproximou de mais ninguém. E um partido que não fala com ninguém é um partido que deixa de contar. Os partidos servem para representar e, se o deixam de fazer, estão destinados ao fracasso.

Se há utilidade na derrota, é a de servir de lição. A catástrofe, quando assumida, pode ser um ponto de viragem.

É urgente um PS que volte a ouvir — e a respeitar — os melhores que o serviram. Mas é igualmente essencial que saiba valorizar os melhores entre os jovens: quadros qualificados, disponíveis para o renovar. O partido precisa de se abrir — para dentro e para fora.

Precisa de voltar a ser previsível no melhor sentido: estável, responsável, capaz de garantir uma governação séria. Um PS que deixe de gastar energia a dizer o que não é — e volte a afirmar, com clareza, o que representa. O que propõe. O que concretiza.

Porque, no essencial, é disso que se trata: de reformismo. E reformismo é compromisso. É desenvolvimento com justiça. É liberdade com solidariedade.

Hoje, o maior desafio do Partido Socialista não é apenas disputar o poder. É voltar a fazer sentido — e a merecer confiança.