Donald Trump jurou proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos ao meio-dia do dia 20 de janeiro de 2025 e tornou-se o primeiro Presidente de sempre a entrar na Casa Branca com a garantia que o seu ciclo político só durará quatro anos. Esta era a questão que não me saía da cabeça antes mesmo de começar o discurso.

Desde 1893 que um Presidente não tomava posse para um segundo mandato não consecutivo. Quando Grover Cleveland regressou ao poder nesse ano, depois de ter perdido as presidenciais anteriores, ainda não existia a limitação constitucional de cumprir apenas dois mandatos, que só apareceria em 1947, depois de Franklin Delano Roosevelt ter sido eleito para quatro mandatos. A limitação no século XIX era de costume. Se George Washington tinha saído ao fim de dois mandatos, não fazia sentido alguém querer eternizar-se no poder mais tempo do que ele.

Isto levou a que Cleveland tomasse posse como um lame duck, um Presidente cessante a partir do momento em que entrou no cargo. Claro que o famoso pânico bolsista de 1893 e a subsequente destruição do Partido Democrata nas eleições intercalares de 1894 não ajudaram, mas o facto de o relógio ter começado a contar para o fim logo no momento da entrada já era limitativo que chegasse.

Mesmo no caso dos presidentes que são reeleitos, como Barack Obama, George W. Bush e Bill Clinton, o segundo mandato é sempre mais penoso do que o primeiro. Os sucessores começam a perfilar-se, o público começa a cansar-se, as maiorias no Congresso escasseiam ou desmoronam-se, os processos na justiça vão aumentando.

Estamos sempre a falar da excecionalidade de Trump. E com razão: muitas das leis da gravidade política não parecem aplicar-se ao bilionário nova-iorquino. Mas muitas não quer dizer todas e uma coisa não ter acontecido até agora não quer dizer que as circunstâncias não vão mudar daqui para a frente. Está na moda ser pessimista, o fatalismo dá sempre uma aura de profundidade intelectual que o otimismo não confere. Havendo razões para considerar que Trump está mais radical, que o seu alinhamento com o sector tecnológico pode ajudar a fomentar uma atmosfera de desinformação, que o Partido Republicano (e até o Democrata) está mais domado do que nunca e que no Supremo Tribunal o Presidente joga em casa como nunca não quer dizer que todos os caminhos levem à desgraça.

O que o discurso e os decretos executivos de ontem provaram é que Trump vai jogar no limite. E tenho algumas dúvidas de que tenha sido eleito para governar no limite. Há uma semana, J.D. Vance tinha dito que era óbvio que não deviam ser indultadas pessoas que tinham agredido polícias a 6 de janeiro de 2021. Ontem, Trump fez isso. O senador republicano Tom Cotton entrou em histeria nas redes sociais sobre a tentativa de dar uma abébia aos donos chineses do TikTok no domingo. Segunda-feira, Trump fez isso.

Num estudo de “The New York Times”, os apoiantes de Trump afirmaram que o apoio de 55% dos americanos à deportação de todos os imigrantes sem documentos validava a posição do Presidente, mas nesse mesmo estudo maiorias muito maiores eram a favor de proteger pessoas que tivessem chegado aos Estados Unidos, como crianças e pessoas que tivessem nascido nos Estados Unidos, mesmo que filhos de imigrantes sem documentos. Ontem, Trump assinou documentos no sentido de invalidar a cidadania dessas pessoas, em violação clara do 14º aditamento à Constituição.

Trump prometeu baixar os preços no seu discurso de posse. Ontem, iniciou um processo que pode subir taxas alfandegárias entre 2 e 5 pontos percentuais, todos os meses, a países aliados. É muito fácil ser popular quando se está na oposição a criticar. Governar é muito mais complicado. É preciso fazer escolhas e, aí, nem todas as pessoas que nos apoiaram por sermos contra vão estar lá para nos apoiar. Ontem começou o período mais desafiante da experiência democrática norte-americana, mas, se a democracia for tão implacável com Trump como foi com todos os seus políticos até aqui, pode ter sido mesmo o dia mais difícil. A partir daqui, começa a contagem decrescente para o fim de Trump. E esperemos que, com ele, a descida desta febre.

Trump é uma ameaça única. A parte da “ameaça” é o problema. A parte do “única” é o início da solução. Claro que teria sido preferível que os mecanismos políticos e judiciais tivessem funcionado para impedir que voltasse a tomar posse, mas, não tendo essas barreiras para nos proteger, podemos contar com outros dois aliados: o tempo e a falta de paciência do povo americano para quem está no poder.

Nixon ganhou 49 Estados e 60% dos votos e, passado dois anos, tinha-se demitido. Bush filho ganhou a John Kerry e achou que tinha produzido uma nova era conservadora e, passado dois anos, estava politicamente morto. Bush pai passou de Presidente mais popular, em 1991, a derrotado, em 1992, com o pior resultado percentual de um recandidato em 80 anos. As coisas mudam.

Não para citar Pimenta Machado, porque com Trump hoje é mentira e amanhã também, mas a combinação de um discurso frouxo, anúncio de políticas bem longe do eleitor médio e polémicas como a de Elon Musk sinalizam que a ineficácia comunicacional de Trump (fenómeno recente e, provavelmente, ligado à idade) e as posições afastadas do centro do seu círculo de conselheiros podem ser o princípio do seu fim. E, nesse caso, nem uma economia forte pode ser salvação. Que o diga Biden, que afundou precisamente por essas duas razões, rodeando-se de conselheiros demasiado progressistas para o eleitorado (e para os gigantes tecnológicos) e acreditando que a deterioração da capacidade de comunicar não ia ser problema.

Ao contrário de Biden, Trump beneficia do fenómeno de culto de quem gosta de o ouvir propor invadir o Panamá ou mudar o nome do Golfo do México. Os seus mínimos de apoio serão sempre maiores. E são suficientes para liderar a oposição e obstruir quem está no poder. Serão suficientes para governar sem consequências? Tenho sérias dúvidas. Isto não quer dizer que Trump não tenha já mudado e vá continuar a mudar a política dos Estados Unidos. Ressuscitou o protecionismo, o nativismo, o realismo/cinismo nas relações internacionais, normalizou a corrupção, proletarizou a direita, transformou todas as instituições em palcos de combate político declarado, alterou os termos do debate e do valor da verdade. O impacto é brutal, mas está, em grande medida, feito.

O tour da vingança pode ser gráfico, mas não promete muita mais do que o aprofundamento de dinâmicas que já existem. Parece-me óbvio que o pico do seu poder foi ontem, dia em que voltou a tomar posse após um primeiro mandato desastroso, em que não soube responder a uma única dificuldade de modo eficaz e acabou a tentar um golpe de Estado, validando todas as mudanças que trouxe. Não será popular estar na crista da onda a dizer que ela vai desaparecer na praia, deixando para sempre a sua marca sem que ela se veja, mas é da natureza das ondas. E da política também.