
Num momento em que Portugal se prepara para um novo ciclo legislativo, importa recentrar o debate político na necessidade de uma reforma integrada do ensino superior. Esta é, antes de mais, uma responsabilidade coletiva: do Estado, das instituições e da sociedade. Neste esforço, o setor particular e cooperativo tem contributos relevantes a oferecer.
A Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP) está a apresentar a diversos dirigentes de partidos com assento parlamentar, no âmbito do trabalho que estão a desenvolver para os respetivos programas eleitorais, um conjunto de propostas essenciais para a construção de um sistema de ensino superior mais equilibrado, sustentável e ajustado à diversidade institucional e social existente.
É urgente rever o modelo de financiamento do ensino superior, centrando-o no estudante, com uma clara distinção entre propinas e subsistência, dando a possibilidade de dedução fiscal da totalidade das despesas com educação e medidas que promovam a equidade no acesso, contribuindo assim para um sistema mais justo e inclusivo.
Olhemos depois para uma distinção inexplicável entre instituições em função da sua natureza jurídica.
O ensino superior não estatal representa 20% dos estudantes inscritos em Portugal. Tem garantido formação académica e profissional com forte ligação ao mundo do trabalho, respondendo com agilidade a desafios económicos e sociais emergentes. Fá-lo, além disso, sem recorrer a financiamento público. Ao contrário das instituições estatais, as instituições privadas suportam os seus próprios encargos, pagam impostos e não constituem um encargo para os contribuintes.
Neste contexto, levanta-se uma questão fiscal que justifica reflexão: as instituições de ensino superior não estatais são tratadas como consumidores finais, suportando integralmente o IVA, inclusive em obras de construção ou renovação. Sendo legalmente reconhecidas como entidades de interesse público, integradas no setor social e cooperativo, importa ponderar a coerência deste regime. É difícil compreender que instituições com esta natureza e missão estejam, na prática, a financiar o Estado através da tributação do consumo, o que contraria os princípios da equidade fiscal e do reconhecimento efetivo do seu contributo para o bem público.
Outro domínio que exige atenção é o da regulação do acesso e da acreditação. Desde a limitação administrativa de vagas no setor privado até à exclusividade legal do reconhecimento de graus estrangeiros por parte das instituições públicas, persistem restrições que comprometem a liberdade de escolha dos estudantes e a competitividade do sistema.
A APESP considera, também, urgente uma reforma do sistema de avaliação e acreditação, propondo o fim do monopólio da A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior). As instituições de ensino superior deveriam poder recorrer, em alternativa, a agências europeias reconhecidas, promovendo maior liberdade institucional, concorrência regulada e transparência. Defende-se ainda que os avaliadores tenham formação específica e adequada à diversidade do sistema, bem como a criação de um órgão de recurso autónomo e o financiamento público da avaliação institucional, uma vez que se trata de uma função de interesse geral do Estado.
No plano da investigação, a APESP propõe uma solução complementar aos programas de financiamento da FCT com a criação de um modelo de avaliação científica autónomo e contínuo.
Por fim, importa sublinhar o papel estratégico da internacionalização enquanto vetor fundamental para a sustentabilidade do ensino superior em Portugal, independentemente da sua natureza jurídica. Propõe-se, nesse âmbito, a criação de um mecanismo mais célere e eficaz de concessão de vistos académicos, articulado entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério do Ensino Superior, com base em critérios objetivos aplicáveis a instituições devidamente credenciadas.
A vasta experiência das instituições de ensino superior privadas na captação e acompanhamento de estudantes internacionais justifica uma abordagem mais eficiente, menos penalizadora e mais alinhada com os interesses do sistema como um todo.
A revisão do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior) e a criação de um regime específico de contratação e carreira para docentes e investigadores do setor privado são medidas estruturais que continuam adiadas. Defende-se, por isso, que o novo ciclo político deve retomá-las com clareza e sentido estratégico.
Mais do que apresentar reivindicações, o que se pretende com estas propostas é contribuir para um debate sério e informado. A construção de um ensino superior mais plural, eficiente e coerente com os desafios do país e do mundo exige visão integrada. A APESP está disponível para esse diálogo.