O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, foi o primeiro líder político a defrontar Luís Montenegro numa maratona de debates onde o tema da 'Spinumviva', a empresa familiar do primeiro-ministro que foi o catalisador da mais recente crise política, vai ser incontornável. Montenegro ficou-se pelo que já tinha dito até aqui sobre o caso ("não houve nenhum conflito de interesses"), defendeu as carreiras valorizadas na Administração Pública, a gestão público-privada na Saúde em prol do cidadão e admitiu não ter conseguido cumprir a promessa de resolver o problema da falta de médicos de família. No mais, o líder do PSD tentou passar a mensagem de que, com o que o atual governo já fez, até um comunista teria vontade de votar na AD.

Paulo Raimundo, contudo, não se ficou: impediu Montenegro de pôr o PCP no mesmo saco do PS, disse que, com ele, não valia a pena gastar latim com a "estratégia de vitimização".


Spinumviva, o ensaio da estratégia de "vitimização"

Sendo este o motivo por haver eleições antecipadas, foi por aqui que o debate começou. Paulo Raimundo foi direto e sucinto: o PCP não tem "dúvidas", tem a "certeza", de que o facto de o primeiro-ministro ter uma empresa, em seu nome e da família, a receber dinheiro por serviços prestados, é "incompatível com as funções governamentais". Só por isso, o primeiro-ministro devia "ter-se demitido". "O facto de explicar não retira a essência do fundamental", disse o secretário-geral comunista, que criticou Montenegro por "fazer fuga para a frente" e "tentar passar por cima como se a situação não tivesse acontecido".

Luís Montenegro ensaiou com Raimundo aquilo que, provavelmente, vai andar a repetir durante as próximas semanas em todos os debates em que vai participar: "Cumpri todas as minhas obrigações declarativas", "não escondi nada", "não há incompatibilidade", "não tomei nenhuma decisão em conflito de interesses" e "não tive nenhum benefício em função da atividade privada".

Depois, a estratégia de "vitimização", como lhe chamou Paulo Raimundo: "Não posso ser culpado por ter trabalhado antes de exercer atividade política", nem a "minha família" pode ser prejudicada por isso, lamentou o primeiro-ministro. E repetiu, apelando à "compreensão" da audiência que, mais do que o seu interlocutor, eram os eleitores que viam o debate pela televisão: "Eu respondo ao que me perguntam, mas também posso reclamar que as pessoas compreendam o contexto e do que é que me acusam? Que contaminação houve? Não houve nenhuma contaminação das minhas funções privadas por influência política nem nenhuma contaminação da política pelas funções privadas".

Para Raimundo, contudo, a "vitimização" não pega e a "profunda confusão" e "promiscuidade entre interesses económicos privados e o poder político" é quanto baste para minar a confiança e a credibilidade do primeiro-ministro.

Se o primeiro tema, a ética, podia ser desvantajoso para Montenegro, o último tema, a política de Defesa, podia ser mais complicado para Paulo Raimundo. À pergunta sobre se o Estado deve investir recursos públicos na guerra, o secretário-geral comunista foi perentório: "Não, a guerra não é nenhuma necessidade do país. Não precisamos de construir armas nem bombas, precisamos de produzir alimentos, medicamentos, comboios...". Mais: "As Forças Armadas precisam de ser equipadas para cumprir desígnio constitucional, mas dinheiro para a guerra? Zero".

Se Raimundo diz que não troca políticas de saúde e segurança social por armas, Luís Montenegro também alinhou: "Não trocamos as políticas sociais por investimento em Defesa - as duas são cumulativas", assegurou, defendendo os direitos e liberdades da Ucrânia e dizendo que é disso que se trata quando se trata de ajudar um país atacado por outro. "Estamos a apoiar direitos". Mas Raimundo não se sensibilizou: o PCP não dá um cêntimo para "a guerra".


Idosos, jovens e função pública: como Montenegro acredita que vai ganhar as eleições

Acusando o Governo de propaganda, Paulo Raimundo ensaiou uma crítica à ação de 'marketing' que decorreu na semana passada com o Conselho de Ministros montado em pleno mercado do Bolhão, no Porto, mas apelas aflorou o tema, sem concretizar. Entregou um documento a Luís Montenegro, mas não explicou o que era ao certo, e partiu para o ataque à emblemática medida da AD de reduzir o IRC às empresas em 2 pontos percentuais ao ano. "A descida do IRC pagava em quatro anos uma rede pública de creches", disse, numa alusão à falta de vagas e à carência neste setor que Montenegro não contrariou. "O Luís Montenegro é pai, eu também sou pai", atirou.

Para Montenegro, baixar o IRC às empresas é um caminho para libertar liquidez para essas mesmas empresas serem mais competitivas e, em função disso, pagarem melhores salários. Para Raimundo, contudo, uma grande empresa pagar 18,5% de impostos, "igual ao que cada um de nós paga", não faz "qualquer sentido". Foi aqui que Montenegro tentou comparar o PCP ao PS, porque ambos partilham a visão em relação a não baixar o IRC para as empresas, mas Raimundo pôs um travão: "Não traga para aqui o PS, não lhe fica bem, terá oportunidade de debater com o PS."

Depois da comparação do IRC com a rede pública de creches, Raimundo voltou a insistir na imagem da paternidade ("eu sou pai, o Luís Montenegro também é pai"), que serviu para criticar o estado do SNS: "Este fim de semana tivemos 7 urgências pediátricas fechadas, é tolerável isto continuar assim?", atirou. Para Paulo Raimundo, o problema do SNS resolve-se com mais profissionais. A receita, diz, é esta: dignificar as carreiras, valorizar os salários, criar condições para ir buscar os profissionais de saúde ao privado e para os fixar no público. "Ou se fixam os profissionais, ou vamos continuar a transferir recursos públicos para fazer negócios", disse.

À crítica sobre a promessa não cumprida de atribuir um médico de família a cada utente, Montenegro admitiu a falha - ainda que o motivo da falha tenha sido o facto de ter havido um aumento dos "utentes". Ou seja, aumentaram as pessoas, aumentou a necessidade de ter mais médicos capazes de dar resposta. A promessa, disse Luís Montenegro, vai-se manter, prometendo o "redobrar o esforço" para a cumprir.

Na saúde, Montenegro defendeu a gestão público-privada no sentido de conseguir "maior agilidade e melhores resultados dentro do SNS" em locais onde é mais preciso, pondo o foco no utente. "O serviço público que prestamos é a quem, ao cidadão ou ao Estado? Quem é que queremos ajudar, a pessoa ou a visão ideológica?", atirou. Quanto ao resto, Montenegro focou-se em elencar as várias medidas de apoio aos vários setores da sociedade, dos jovens aos idosos, passando pelas 17 carreiras da administração pública, recorrendo a uma provocação: "Com tudo o que fizemos, é cada vez mais difícil até para um comunista não votar na AD", disse, naquilo que resume toda a estratégia de Montenegro para estas eleições: confiar que o reforço de rendimentos e apoios dados aos jovens, idosos e funcionário públicos, o vai fazer ganhar a eleição.