Estão na água que bebemos, no ar que respiramos, nos alimentos que consumimos. E também já foram encontrados nos nossos pulmões, no sangue, na placenta, no coração e no cólon. Os estudo mais recentes focaram-se no cérebro humano onde foram encontrados níveis alarmantes de microplásticos – e as concentrações estão a aumentar ao longo do tempo.

Os microplásticos estão a entrar silenciosamente no corpo humano, mas os seus efeitos na saúde ainda não estão esclarecidos. Novos estudos reforçam as suspeitas de que podem estar a provocar inflamação, acelerar o envelhecimento celular ou contribuir para doenças cardiovasculares e demências.

O que são microplásticos – e como se diferenciam dos nanoplásticos?

Microplásticos são partículas de plástico com um tamanho entre 1 micrómetro (milésima parte de um milímetro) e 5 milímetros.

  • Alguns são criados propositadamente, como os que se usavam em pastas de dentes ou esfoliantes.
  • Outros resultam da fragmentação de objectos maiores, como garrafas, sacos ou fibras sintéticas libertadas na lavagem da roupa.

Ainda mais pequenos — e potencialmente mais perigosos — são os nanoplásticos, com dimensões inferiores a 1 micrómetro.

  • Pela sua minúscula escala, conseguem atravessar facilmente barreiras do organismo, como a barreira hematoencefálica (que protege o cérebro), a parede intestinal ou mesmo a placenta.

Muitos estudos referem-se genericamente a microplásticos, mas incluem partículas que, na prática, já pertencem à categoria dos nanoplásticos.

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Microplásticos no corpo humano: o que já se sabe e o que está por descobrir

Os cientistas calculam que os humanos consomem dezenas de milhares de microplásticos anualmente através de alimentos, bebidas, embalagens de plástico, revestimentos e processos de produção.

Um estudo publicado em 2022 demonstrou a presença de partículas plásticas na corrente sanguínea de voluntários saudáveis.

Outras investigações já tinham detetado a sua presença em fezes humanas, nos pulmões e na placenta de mulheres grávidas.

Mas o simples facto de estarem presentes não é suficiente para provar que fazem mal — e é aqui que a ciência tem avançado lentamente, devido à dificuldade em quantificar os efeitos, controlar variáveis e estabelecer relações de causa e efeito em humanos.

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Microplásticos no cérebro ligados à demência e em maior quantidade do que noutros órgãos

Num estudo publicado em fevereiro na Nature Medicine, uma equipa liderada pelo toxicologista Matthew Campen, da Universidade de New Mexico, revelou que detetou níveis alarmantes de microplásticos no cérebro humano - com concentrações 7 a 30 vezes superiores às detetadas noutros órgãos, como o fígado ou os rins.

Os investigadores detetaram a presença de cerca de uma colher de chá de microplásticos em cada cérebro humano analisado. As amostras mais antigas datavam de 2016 e foram comparadas com outras mais recentes, de 2024. Em oito anos, os níveis de microplásticos no cérebro aumentaram drasticamente.

Um dos dados mais relevantes do estudo é a diferença nas concentrações de microplásticos em cérebros de pessoas com demência: até 10 vezes superiores face às pessoas sem esse diagnóstico. Embora esta correlação seja clara, os autores alertam que não é possível estabelecer uma relação causal direta. A acumulação de plástico pode ser consequência e não causa da doença.

A maioria das partículas identificadas era composta por polietileno – um material comum em embalagens, garrafas e brinquedos – e tinha menos de 200 nanómetros, uma dimensão suficientemente pequena para atravessar a barreira hematoencefálica.

Novas provas relacionam os microplásticos com diabetes, hipertensão e AVC

Um estudo apresentado em março na Sessão Científica Anual do Colégio Americano de Cardiologia sugere que a exposição a microplásticos, por ingestão ou inalação, pode estar associada a um maior risco de doenças como hipertensão, diabetes e acidente vascular cerebral (AVC).

A investigação analisou dados de saúde de várias zonas do país e concluiu que a presença de microplásticos tem um impacto na saúde cardiovascular.

Os investigadores alertam que ainda não é possível afirmar que os microplásticos sejam a causa direta dos problemas de saúde, mas defendem que se deve reduzir a exposição, principalmente através da diminuição do uso e produção de plástico.

Como os microplásticos entram no corpo humano?

A ingestão através da alimentação é a principal via, mas não a única. Respiramospartículas em suspensão no ar — libertadas por tecidos sintéticos, pneus ou pó doméstico. Há também suspeitas de absorção cutânea, embora ainda não haja consenso científico sobre essa hipótese.

Os microplásticos tendem a acumular-se em células de gordura na bainha de mielina, que envolve os neurónios e é fundamental para a transmissão dos impulsos nervosos, o que poderá explicar a sua maior presença no cérebro.

Não temos no nosso organismo um “filtro” natural que impeça estas partículas de circular, acumular-se nos órgãos e desencadear processos inflamatórios.

Quanto plástico já comeu hoje?

O que é hoje o jantar? Sushi de Lego, carne de cartão de crédito ou um tubo de PVC bem passado? São exemplos que podem parecer exagerados mas a verdade é que, sem sabermos, nem querermos, ingerimos todos os dias microplásticos. Ao longo do tempo, a quantidade de pedaços microscópicos que consumimos são do tamanho dos objetos representados nas imagens.

O que dizem os estudos em animais

Vários estudos com animais reforçam a ideia de que estas partículas se acumulam nos organismos e causam danos:

– Em salmões expostos a microplásticos, os cientistas encontraram partículas no coração e alterações cardíacas.

– Em peixes mais pequenos, as partículas atingiram o cérebro, sugerindo que ultrapassam a barreira hematoencefálica.

– Um estudo com gatas grávidas mostrou partículas não só na placenta mas também nos fetos — uma descoberta que levanta sérias questões sobre os efeitos ao longo da gestação.

– Em ratos de laboratório, os investigadores observaram alterações comportamentais, neuroinflamação e desequilíbrios metabólicos.

O impacto ambiental dos microplásticos

Os microplásticos representam também uma ameaça crescente aos ecossistemas aquáticos. Estudos concluem que estas partículas microscópicas são um risco real para os habitats de água doce.

E também nos habitats de água salgada. Nos oceanos profundos ou no Mediterrâneo que é já um dos mares mais contaminados por plástico em todo o planeta.

Os animais marinhos consomem partículas de microplástico e excretam-nas nas fezes, representando riscos para o meio marinho.

Foi também investigado o impacto da poluição de microplásticos obre a fotossíntese, o que ameaça a segurança alimentar global, segundo os cientistas.

Até que ponto estamos em risco?

Apesar das descobertas preocupantes, os cientistas alertam que ainda há muitas incertezas.

A ciência ainda não consegue dizer com clareza quantos microplásticos são demasiados. Não há níveis de exposição considerados “seguros” e a legislação europeia só recentemente começou a impor restrições, como a proibição de microplásticos intencionais em cosméticos, fertilizantes ou brinquedos.

Uma das dificuldades prende-se com o facto de os efeitos poderem depender do tamanho, forma, tipo de plástico e até dos químicos que se agarram às partículas — incluindo pesticidas, metais pesados e poluentes orgânicos persistentes.

Não se sabe ao certo como as partículas chegam ao cérebro nem quais os seus efeitos a longo prazo. Ainda que o plástico seja considerado quimicamente inerte, o seu impacto físico – como obstrução de vasos capilares ou interferência com ligações neuronais – pode ser relevante.

Há também indícios de que a transpiração pode ajudar a eliminar certos compostos plásticos do organismo, mas é necessária uma investigação mais aprofundada.

O que podemos fazer para reduzir a exposição a microplásticos?

Enquanto não há respostas definitivas, há pequenas decisões que podemos fazer no dia a dia:

  • reduzir o consumo de plásticos descartáveis
  • preferir materiais naturais
  • lavar menos a roupa sintética e a frio
  • instalar filtros nas máquinas de lavar e aspirador
  • escolher cosméticos sem microesferas plásticas
  • usar garrafas reutilizáveis de vidro ou aço inoxidável
  • escolher alimentos não embalados sempre que possível

A substituição de água engarrafada por água da torneira filtrada, por exemplo, pode reduzir drasticamente a ingestão de microplásticos: de cerca de 90 mil partículas por ano para 4 mil.

Outras fontes relevantes são as saquetas de chá que podem libertar milhões de partículas por chávena, e o aquecimento de alimentos em recipientes de plástico, especialmente no micro-ondas. Usar recipientes de vidro ou aço inoxidável pode reduzir significativamente essa exposição.

Mas a verdadeira mudança terá de ser estrutural — na forma como produzimos, consumimos e descartamos o plástico.

A produção de plástico continua a crescer e, mesmo que fosse interrompida hoje, os níveis de micro e nanoplásticos no ambiente continuariam a aumentar durante décadas.