Foi publicada a Lei n.º 33/2025, que “promove os direitos na gravidez e no parto”. Um nome neutro — e imediatamente ignorado. Porque, no debate público, o que ficou foi “violência obstétrica”. E, com ele, tudo o que esse rótulo transporta: acusação moral, ruído ideológico e simplificação de um universo clínico onde tudo menos o preto e branco deveria prevalecer.

O termo não é neutro, não é técnico, não é juridicamente pacífico. É uma expressão emocional disfarçada de conceito legal. Classificar como “violência” determinadas práticas clínicas — muitas delas situacionais, debatidas entre especialistas e quase sempre atravessadas pela urgência — é reduzir a medicina a uma grelha de culpa.

Não se trata de negar que há práticas ultrapassadas, maus procedimentos ou momentos de desrespeito. Nem de desvalorizar os relatos de mulheres que se sentiram maltratadas num momento profundamente vulnerável. Mas legislar com base em palavras de ordem, slogans militantes ou causas importadas é um mau começo para qualquer solução séria.

A lei não responde a um vazio legal. Responde a um entusiasmo ideológico. E como tantas vezes acontece, é um entusiasmo que nos chega de fora. Portugal tem uma notável aptidão para importar causas alheias e aplicá-las com zelo burocrático em contextos que exigiriam nuance. Como dizia o João da Ega: por cá, até os escândalos são de importação.

Nestes cenários, quando faltam ideias próprias e pensamento crítico, ganham protagonismo discursos que dividem, não que reformam. E transforma-se em campo de batalha o que deveria ser terreno de cooperação institucional e escuta mútua.

Os direitos das mulheres grávidas e parturientes — à informação, ao consentimento, à recusa, à dignidade — estão já consagrados na Constituição, na Lei de Direitos dos Utentes, nos códigos deontológicos e nos protocolos clínicos. A episiotomia de rotina, que agora se condena com solenidade, já estava desaconselhada pela Direção-Geral da Saúde. O plano de parto é prática comum em várias unidades hospitalares. E os profissionais de saúde já respondem disciplinar, civil ou criminalmente quando atuam com negligência. Esta lei não veio preencher um buraco legal. Veio assinalar um posicionamento.

E o que é que ela traz, então? Traz um clima de desconfiança. Um tom acusatório. A ideia de que a prática médica é, por defeito, um abuso de poder contra as mulheres — e que o Estado deve vigiar, punir e reeducar.

As consequências não são meramente simbólicas. Ao exigir que todos os atos clínicos sejam justificados por escrito, ao prever sanções financeiras e processos disciplinares, a lei estimula uma medicina defensiva. Cria receio. Inibe a decisão clínica em momentos de incerteza. E pode, ironicamente, tornar o parto mais inseguro para quem pretende proteger.

Mais ainda: a lei sugere uma valorização implícita do chamado "parto natural" como modelo ideal. Desvaloriza escolhas igualmente válidas, como a epidural, a indução ou a cesariana planeada. Substitui, assim, um paternalismo clínico por um paternalismo ideológico — onde a mulher só é considerada "respeitada" se seguir o guião certo. Mas liberdade real é poder escolher. Com informação, com apoio, sem ser moralizada por isso.

O parto é, por definição, ambíguo. Envolve corpo, urgência, intimidade, medo, risco e ciência. Reduzi-lo a uma categoria moral como “violência obstétrica” é empobrecedor. E legislar a partir dessa redução é perigoso.

A nova lei quer fazer justiça às mulheres. Mas falha onde mais importa: não melhora substancialmente os cuidados clínicos, não reforça a relação entre profissionais e utentes, e recorre a uma linguagem moldada por agendas, não por precisão.


O nome está errado. E a lei também. Porque bons cuidados de saúde não se decretam com slogans. Constroem-se com confiança, com formação — e com menos medo dentro de cada sala de partos, para quem lá entra com bata… e para quem lá entra com dor.