Numa sociedade que se considera evoluída, o aumento da violência contra as mulheres representa um triste retrocesso na conquista das liberdades e na transformação das mentalidades. Foi um simples regresso a casa, em Barcelona, depois de um dia de aulas, que mudou para sempre a vida da portuguesa Julieta Rueff: "Um homem seguiu-me durante meses. Esperava-me fora de casa e seguia-me à universidade".
Ao medo e à impotência que sentiu naquela noite, juntou-se o desejo profundo de transformar esses sentimentos negativos em algo que pudesse ajudar a salvar a vida de outras mulheres: "Quis transformar essa dor em ação concreta", conta a jovem de 23 anos à SIC Notícias.
Há três anos nasceu a FlamAid, um dispositivo de segurança pessoal que não responde com violência. Pelo contrário. Esta "granada pacífica", como é descrita por Julieta Rueff, responde apenas com "alerta, som e mobilização" .
"Escolhi o formato de granada porque queria inverter o significado de um objeto normalmente associado à guerra. Afinal, é o mecanismo de mais fácil ativação do mundo. Em vez de ferir, a nossa granada salva", explica Julieta Rueff, CEO da FlamAid.
Já a escolha do nome também segue a mesma lógica: "'Flam(e)' vem da ideia de chama, de energia, de algo que se acende — como a nossa granada. 'Aid' é ajuda. Queríamos um nome que transmitisse a urgência e, ao mesmo tempo, o cuidado."
Como funciona a FlamAid?
Para ativá-la basta puxar o pequeno anel que tem na parte superior do aparelho. Em seguida, é emitido um alarme de 110 decibéis - o máximo permitido por lei - durante 15 minutos.
A app da FlamAid, que deve ser instalada previamente no smartphone, envia um sinal GPS para três contactos de emergência selecionados pela vítima. No plano premium a localização é enviada diretamente para as autoridades.
"Através de parcerias com centrais de alarme, conseguimos que o alerta seja encaminhado para a esquadra mais próxima em casos graves."
Para Julieta Rueff, o design também funciona como uma "ferramenta de empoderamento" e por isso desenhou a FlamAid para ser mais do que um objeto funcional: "Tem de ser bonito, leve, quase como uma peça de roupa ou acessório", frisa.
Do medo de sair à rua para a lista Forbes 30 Under 30
A FlamAid nasceu de um episódio de insegurança, mas rapidamente se transformou numa missão social reconhecida além fronteiras. Aos 23 anos, Julieta Rueff é um dos quatro jovens portugueses que integram a lista “30 Under 30” Europe 2025 da conceituada revista Forbes.
A jovem, juntamente com outros 29 nomeados, faz parte da categoria 'Impacto Social': "Em apenas dois meses, o FlamAid chegou a mais de 12 países e protegeu mais de 600 pessoas", lê-se na página da Forbes.
Em entrevista à SIC Notícias, Julieta Rueff não esconde a emoção ao ver o seu projeto reconhecido. Garante ainda que toda a visibilidade servirá para alcançar mais pessoas e novas comunidades, levando a FlamAid até escolas e universidades, com o objetivo de "integrar a educação para a segurança nas conversas do dia a dia."
"Senti que toda a luta — as madrugadas, os “nãos”, as dúvidas — estavam a ser reconhecidas. E mais do que um mérito individual, vejo este destaque como uma oportunidade para dar mais visibilidade à causa da segurança pessoal e ao trabalho que estamos a fazer na FlamAid", confessa.
Para Julieta Rueff, a FlamAid tinha como principal objetivo acabar com o "sentimento generalizado de insegurança", que na sua opinião, assombra a sociedade atual.
"Vivemos numa sociedade onde ainda é comum colocar a responsabilidade da segurança nas vítimas: “não andes sozinha”, “não te vistas assim”, “leva spray”. Eu recuso essa lógica."
A jovem portuguesa acredita que a educação pode ser a chave para acabar com muitos dos problemas atuais, especialmente a violência de género.
Encara a FlamAid não só como uma marca ou uma granada pacífica, mas como um movimento de ajuda: "Se conseguimos transformar até uma granada num símbolo de paz, também podemos transformar a cultura de medo numa cultura de apoio", finaliza.