
Um lituano alegado líder de uma organização criminosa que se dedicava a importar carros acidentados abatidos nos EUA, e que após uma reparação de cosmética eram revendidos na Europa, incluindo Portugal, foi detido na Madeira, informou hoje a Procuradoria Europeia.
Fonte da Procuradoria Europeia (EPPO, na sua sigla em inglês) adiantou à agência Lusa que a detenção na Madeira do cidadão lituano, alegado líder do esquema que lesou os Estados em centenas de milhões de euros em taxas aduaneiras e impostos (IVA) foi efetuada pela GNR, através da Unidade de Ação Fiscal, que em Portugal acompanhou a investigação que envolveu 18 procuradores europeus.
Segundo a EPPO, a investigação foi liderada pela Procuradoria Europeia em Berlim (Alemanha) e Vilnius (Lituânia), e envolveu 1. 000 agentes da polícia e das autoridades fiscais e aduaneiras, que realizaram 200 buscas em 10 países.
A investigação incidiu sobre uma organização criminosa que importava automóveis dados como salvados para abate pelas seguradoras norte-americanas e que depois eram importados, através de um esquema fraudulento, dos Estados para a Europa, a partir de onde eram revendidos após uma reparação apenas cosmética, num esquema criminoso que representa também "sérios perigos para a segurança rodoviária".
Com o nome de código "Nimmersatt" (Insaciável, em alemão), estende-se dos EUA à Rússia, com ligações ao Canadá, Hungria, Irlanda e Reino Unido, bem como a 11 países da UE da zona da Procuradoria Europeia.
A EPPO adianta que foram realizadas medidas de investigação hoje e na terça-feira em Portugal, Bulgária, Estónia, Alemanha, Hungria, Letónia, Lituânia, Países Baixos, Roménia e Espanha, levando à prisão de 10 suspeitos, incluindo um dos supostos líderes - o lituano detido na Madeira.
Além destes, outros 18 suspeitos, todos lituanos, foram também detidos para interrogatório, sendo que os principais suspeitos de nacionalidade russa também estão sob investigação.
Estes veículos acidentados nos EUA, explica a EPPO, eram vendidos em leilões ou desmontados para sucata e o grupo comprava "enormes quantidades que depois enviava para a União Europeia "utilizando uma rede de empresas fictícias e faturas falsas para cobrir a origem dos automóveis, que chegavam à UE com o seu historial comercial obscurecido".
Os carros chegavam a diferentes portos, incluindo Antuérpia (Bélgica), Bremerhaven (Alemanha), Klaipeda (Lituânia) e Roterdão (Países Baixos), refere a EPPO, acrescentando que, "para fugir a uma parte substancial dos direitos aduaneiros, os infratores apresentavam faturas falsas às autoridades, declarando um valor muito inferior ao que pagaram pelos veículos.
Os carros eram então transportados por via terrestre para a Lituânia, para serem reparados em oficinas, mas, com base na investigação, as reparações eram apenas superficiais, para permitir que ficassem com um aspeto de semi-novos e passassem pelos procedimentos de certificação técnica exigidos.
Posteriormente, eram vendidos a clientes finais na Alemanha e em outros países da UE, apresentados como nunca tendo sofrido um acidente ou sendo totalmente reparados, mesmo quando têm danos ocultos -- incluindo falta de airbags ou outros problemas graves de segurança. Os menos valiosos são vendidos para os mercados do Leste Europeu.
Na Alemanha, de acordo com a investigação, os veículos são vendidos por concessionárias de automóveis que fazem parte da organização criminosa, que aplicam fraudulentamente o IVA reduzido, ao abrigo do chamado "regime de tributação da margem", disposição que permite que os revendedores paguem aquele apenas sobre a margem de lucro quando vendem bens em segunda mão comprados a particulares.
A EPPO suspeita que na Lituânia os membros do grupo tenham usado empresas lituanas para "lavar" os lucros com a fraude ao IVA e pagamentos em dinheiro de compradores de carros.
A investigação apurou que a célula lituana do grupo, criada em 2020 e chefiada pelo homem detido na Madeira, utilizou empresas na Bulgária, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Países Baixos e Roménia "para ocultar o verdadeiro volume de negócios".
Só na Lituânia, foram vendidos pelo menos 16.500 automóveis, num montante de 144 milhões de euros.
A suspeita de fraude também permitiu que os carros destruídos fossem vendidos a um preço de mercado mais baixo, causando também concorrência desleal.
A investigação revelou um "esquema criminoso extremamente complexo" com ramificações em 18 países, visando os principais membros da organização criminosa da Rússia e da Lituânia, bem como suspeitos responsáveis pela importação e transporte dos veículos e dezenas de concessionários de automóveis.
Os prejuízos causados por estas atividades criminosas, que ainda estão a ser avaliados, estimam-se em pelo menos 31 milhões de euros.
Foram concedidas ordens de congelamento de 26,5 milhões de euros, através de contas bancárias e apreendidos até agora 116 carros (aproximadamente 2,3 milhões de euros), meio milhão de euros em dinheiro e artigos de luxo, bem como imóveis, terrenos e ações de empresas, no valor de 5,1 milhões de euros.
A Procuradoria Europeia é o Ministério Público independente da União Europeia responsável por investigar, julgar e levar a julgamento crimes contra os interesses financeiros da UE.