No começo da década de 1990, o Expresso tinha três grandes correspondentes que constituíam a espinha dorsal da informação sobre o que se passava mundo fora: Ángel Luis de la Calle em Madrid, Tony Jenkins em Nova Iorque e Daniel Ribeiro em Paris.

Ribeiro, nascido a 20 de dezembro de 1953 em Carregal do Sal (concelho natal do cônsul Aristides de Sousa Mendes), foi contratado pelo Expresso em finais de 1989, quando parte da redação saiu para fundar o “Público”, incluindo a então correspondente em Paris, Ana Navarro Pedro. Antes, passara episodicamente pelo semanário “O Ponto” no começo dos anos 80, sendo depois correspondente do semanário “O Jornal” durante quase uma década. Trabalhou, também, na secção portuguesa da Radio France Internationale e na portuguesa Rádio Alfa, de que chegou a ser diretor.

Daniel Ribeiro, politicamente originário da constelação das pequenas organizações políticas que, à esquerda do PCP, se opunham à ditadura, vivia há muitos anos em Paris e foi estabelecendo laços com a comunidade portuguesa, exilada, ou não, de Cargaleiro a Graça Morais, de Mário Soares a Paulo Branco, de Mário Barroso a Carlos Saboga ou ao embaixador António Monteiro, sem esquecer o amigo de sempre Jorge Palma.

Lembro-me de o Daniel me ter contado que, certa vez, ele, o Palma e um terceiro amigo queriam ir jantar, mas o dinheiro era pouco. O autor de “Encosta-te a mim” terá dito qualquer coisa como: “Aguentem aí um bocado”. Pegou na guitarra, foi para as escadas do metro de Saint-Michel cantar baladas de Bob Dylan e, minutos depois, voltou com um ar feliz: “Já dá para comer…” Segundo consta, até deu para o táxi. Nem de propósito, o último trabalho de Ribeiro publicado no Expresso, em setembro de 2023, foi uma extensa e apaixonada entrevista a Jorge Palma.

Maratonas políticas e noites de terror

Acompanhou para o Expresso os grandes momentos da vida francesa: a periclitante coabitação entre Mitterrand e Chirac; as sucessivas revoltas, tal como o movimento dos barretes vermelhos na Bretanha, no tempo de François Hollande, ou a crise dos coletes amarelos, já com Macron no Eliseu.

Trabalhámos juntos em duas longas maratonas jornalísticas, ele em Paris, o João Garcia, o Pedro Cordeiro e eu na redação de Lisboa, quando a redação do “Charlie Hebdo” foi massacrada, em 2015, e, meses depois, quando três comandos de jiadistas atacaram a envolvente do Stade de France, metralharam as esplanadas da Place de la République e invadiram o teatro Bataclan.

Profissional reconhecido e respeitado, Ribeiro tinha fontes em todo o espectro político, muito em especial nos frondeurs (dissidentes) do PS e acesso privilegiado, tanto a Jean-Luc Mélenchon como a Marine le Pen, tendo sido o jornalista português que mais vezes a entrevistou. Desenvolveu uma extensa e bem fundamentada investigação jornalística sobre a estada do ex-primeiro ministro José Sócrates na capital francesa, nomeadamente sobre o apartamento de luxo em que residia, não muito longe do Arco do Triunfo.

Interregno timorense

Em agosto de 1999, Daniel Ribeiro interrompeu a carreira jornalística para ser porta-voz da missão diplomática portuguesa em Dili, por ocasião do referendo à independência de Timor-Leste promovido pelas Nações Unidas e dos subsequente e atrozes massacres levados a cabo pelas milícias pró-indonésias. Os diplomatas portugueses, que incluíam, entre outros José Júlio Pereira Gomes, Ana Gomes ou Afonso Alegre, dilaceram-se sobre qual era a decisão correcta: ficar, sem estarem garantidas condições de segurança, ou partir, tal como a maior parte dos representantes internacionais.

Prevaleceu a posição de partir, mas as divisões foram de tal forma amargas (e duram até hoje, como se constata pelo recente livro de Ana Gomes) que o jornalista decidiu nunca publicar o diário que elaborou durante a presença em Timor. Para a História fica o nome dos quatro jornalistas portugueses que, junto com funcionários da ONU, ficaram quase até ao fim (e à chegada dos capacetes azuis) na legação de Dili: José Vegar (Expresso), Jorge Araújo (Independente), Luciano Alvarez (Público) e Hernâni Carvalho (RTP).

Homem de paixões fortes

Daniel Ribeiro vivia pelo coração e pelo coração morreu. As suas paixões eram fortes e marcadas pelos excessos: álcool, comida, noitadas, amores, desamores. Sempre que alguém do Expresso ia à capital francesa, encontrávamo-nos, invariavelmente, no último verdadeiro cabaré de Paris, “Les Trois Maillets”, perto da fonte de Saint-Michel. Aí, a sua atual mulher, a cantora lírica Mieko, cantava temas de Édith Piaf ou Charles Trenet para arredondar o orçamento. Os donos do cabaré não resistiram à covid-19 e, infelizmente, Ribeiro não viveria muito mais tempo. A sua última publicação no Facebook remonta a novembro do ano passado.

A cremação realiza-se terça-feira, 14 de janeiro, pelas 16.00, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, sendo o corpo velado a parir das dez da manhã desse dia.

Os antigos diziam que os grandes atos de um homem podem ecoar na eternidade. Não sei se assim é, ou não, mas de uma coisa estou certo: as páginas do Expresso e a memória dos leitores guardam algumas das mais distintas, vivas e bem escritas reportagens dos últimos 30 anos. Até sempre, Daniel!