O poder de compra depende de dois fatores. Por um lado, da capacidade da economia de pagar salários e, por outro, do nível de preços dos bens e serviços.

Por essa razão, não se pode comparar salários entre países ou ao longo do tempo sem ter em conta o aumento dos preços. Ou seja, comparar valores nominais e não os valores reais dos salários. É preciso ter em conta a inflação para perceber como realmente evolui o poder de compra.

SIC Notícias

O gráfico mostra a evolução dos salários brutos em Portugal entre 2008 e 2023. A linha azul mostra o crescimento dos ganhos salariais sem ter em conta a inflação, enquanto a linha vermelha traduz a evolução real dos salários porque ‘desconta’ a evolução do custo de vida.

O país atravessou uma grave crise económico-financeira entre 2008 e 2013. As medidas de austeridade e o aumento do desemprego afetaram muito os portugueses e levaram a uma estagnação dos salários. Nesse período, o crescimento nominal dos salários médios foi de 9,8%. Mas o crescimento real foi de apenas 2,5%, tendo em conta a inflação.

A seguir, veio uma fase diferente. Entre 2014 e 2021, o crescimento moderado da economia trouxe um ganho real dos salários de 10,7%, mesmo tendo em conta a crise pandémica em 2020 que travou a fundo a atividade económica. Depois, veio a inflação em 2022.

Que impacto teve a inflação no poder de compra?

SIC Notícias

O aumento da inflação fez com que desaparecesse uma parte dos ganhos conseguidos no período anterior: em 2022, em termos reais, perante a subida dos preços, os salários tiveram uma quebra de 2%.

Porém, o ano de 2023 permitiu recuperar essa perda, com um crescimento de 0,7% face a 2021.

Portugal foi até um dos países da União Europeia com um dos aumentos mais significativos do rendimento disponível real das famílias nos últimos anos, segundo os dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

Sendo o salário a maior fonte de rendimento dos portugueses, a sua estagnação - ou mesmo contração - gera carências económicas e enormes pressões sobre a sociedade, porque os trabalhadores se sentem desiludidos e frustrados, e também sobre os recursos do Estado, uma vez que acentua a necessidade de aumentar prestações sociais e outras políticas públicas dedicadas a apoiar os mais desfavorecidos.

Além disso, sem ganhos salariais, os portugueses não conseguem fazer face aos aumentos dos preços, contribuindo para uma situação particular de pobreza - que é a dos trabalhadores pobres, ou seja, das pessoas que, mesmo estando a trabalhar, têm um rendimento baixo que não lhes permite viver acima do limiar de pobreza.

Em Portugal, um em cada 10 trabalhadores está nesta situação.

Em que grupos da população existe maior desigualdade salarial?

SIC Notícias

No que toca à discrepância salarial, há dois grupos particularmente prejudicados: as mulheres e os jovens.

Os salários das mulheres são 16,2% mais baixos do que os dos homens. Não há disparidades a nível educacional ou de experiência que possam explicar esta diferença.

As únicas explicações possíveis são um problema de seleção ou de discriminação. E ambas se confirmam. Vários estudos mostram que parte da diferença consegue ser reduzida pela escolha da profissão/área de atividade. Isto quer dizer que a seleção da profissão a seguir por homens e mulheres resulta em salários diferenciados.

Por outro lado, mesmo tendo em conta esta questão, persistem diferenças salariais entre homens e mulheres sem aparente explicação, o que sugere discriminação no mercado laboral.

E em relação aos jovens, que diferenças salariais existem?

SIC Notícias

A atual geração de jovens com idades entre os 18 e os 35 anos é a mais qualificada de sempre, em Portugal. Mas os salários não têm acompanhado as suas expectativas.

Os jovens continuam a ter um salário médio 18,5% mais baixo do que os trabalhadores com idades entre os 35 e os 50 anos. Além disso, o aumento do custo da habitação e da alimentação torna cada vez mais difícil aos mais jovens iniciarem o seu processo de independência ou autonomia face aos pais.

Parte da explicação para as diferenças salariais entre os mais jovens e os mais velhos relaciona-se com o ciclo de vida e a evolução do salário ao longo da carreira de um indivíduo. Isso explica-se em parte pela acumulação de competências e experiência, além da formação.

Essas diferenças intergeracionais são ainda mais acentuadas quanto maior é o nível educacional. Ou seja, um trabalhador mais qualificado tem, em média, um crescimento salarial mais acentuado do que um trabalhador com nível de educação mais baixo.

Porém, temos tido sinais de melhoria das desigualdades salariais, para as mulheres e para os jovens.

Entre 2008 e 2023, tanto o rendimento das mulheres como o dos mais jovens aumentou, reduzindo a discrepância face aos homens ou a trabalhadores mais velhos, respetivamente. Os salários médios reais dos mais jovens cresceram cerca de 15% entre 2008 e 2023, enquanto o crescimento foi de cerca de 13% para o grupo etário entre os 36-50 anos.

No mesmo período, o salário médio real dos homens aumentou 11%, enquanto o das mulheres aumentou 21%. Um aumento mais forte dos salários reais dos mais jovens e das mulheres significa uma maior uniformização ao nível dos salários e uma diminuição das desigualdades.

Há grandes desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres?

SIC Notícias

Os dados mostram que entre 2008 e 2023 a desigualdade entre os salários mais elevados e os salários mais baixos reduziu de forma sistemática, em resultado da recuperação económica no pós-crise financeira, em particular a partir de 2014.

Em 2008, o salário de um trabalhador que estivesse entre os 25% com salários mais elevados (3.º quartil) era o dobro do salário de um trabalhador que estivesse entre os 25% com ganhos mais baixos (1.º quartil).

Em 2023, essa diferença já era mais curta, passando a ser de 1,7 vezes mais. Da mesma forma, em 2008, o salário de um trabalhador entre os 10% mais bem pagos era quase 3,9 vezes superior ao ganho mensal de um trabalhador nos 10% mais baixos. 15 anos mais tarde, passou para 3,2 vezes.

Essa recuperação foi feita por via de um aumento da procura por trabalhadores mais qualificados - sobretudo para a área dos serviços e, em particular, do turismo - e também do aumento do salário mínimo, que permitiu um crescimento salarial automático e evidente nas profissões com salários mais baixos.

Há que ter cuidado com um aspeto fundamental que é o facto de a inflação não afetar da mesma forma diferentes grupos de trabalhadores. Por exemplo, os trabalhadores com salários mais baixos gastam uma parte maior do seu rendimento em alimentação. Portanto, se a alimentação tiver um aumento de preços considerável, isso significa que o impacto da inflação nesse grupo vai ser maior do que em estratos mais favorecidos.

Embora a redução da desigualdade salarial seja um resultado aparentemente positivo, porque não se fez através da redução dos rendimentos mais elevados, mas através de um aumento significativo dos rendimentos mais baixos, isso pode sinalizar uma fraca procura por mão de obra mais qualificada. Coloca-se o desafio de criar condições, nomeadamente através dos ganhos de produtividade, que permitam um aumento mais pronunciado dos salários mais elevados, que só aumentaram 4,5% em 15 anos.

Caso tal não aconteça, a fuga dos trabalhadores mais qualificados, que são também os que mais contribuem para o Orçamento do Estado, torna-se mais provável. Isso acontece devido à existência de um sistema fiscal progressivo que leva a que o orçamento seja financiado de maneira desproporcional pelos que mais ganham, por forma a promover a equidade. Sem salários elevados, torna-se muito difícil financiar o Orçamento de Estado, assim como reter ou atrair talento.

Como é que se comparam os salários em Portugal com outros países europeus?

SIC Notícias

Portugal continua a ser um dos países da União Europeia com os salários mais baixos, tendo já sido ultrapassado por vários países que aderiram ao projeto europeu consideravelmente mais tarde, tais como a Eslovénia, a Lituânia ou a Letónia. Escusado será dizer que continua muito distante de países como a Alemanha, a Dinamarca, a Suécia ou a Bélgica.

Em 2023, em paridades de poder de compra, que é uma forma de comparar os salários tendo em conta o custo de vida de cada país, os salários médios dos espanhóis são 135% dos portugueses e, se olharmos para a Alemanha, o valor aumenta para 178%.

Algumas explicações para os baixos salários em Portugal estão há muito identificadas e passam pela especialização em produtos de baixo valor acrescentado, pelos baixos níveis educacionais (da população em geral e, mais ainda, de empresários e gestores) e por um tecido empresarial maioritariamente composto por microempresas, descapitalizadas e com baixo potencial de crescimento.

Por outro lado, a entrada da economia chinesa na Organização Mundial do Comércio no final de 2001, assim como a adesão à União Europeia de vários países do antigo bloco de leste, gerou uma forte concorrência em setores industriais de baixo valor acrescentado, como o têxtil, e contribuiu para a estagnação económica que se seguiu nos anos seguintes. Para não falar da aposta continuada em setores de bens não transacionáveis, como a restauração, que requerem são menos produtivos e exigem muitas horas de trabalho para criar valor.

Assim sendo, a recuperação recente dos salários pode ser sinal de que a economia nacional já “curou” as feridas deixadas pela grande quantidade de falências de empresas e destruição de empregos verificada durante o programa de assistência económico-financeira da troika (2011-2014). No entanto, parte desse crescimento continua a assentar em setores e empresas pouco produtivas e que pagam salários baixos.

Já vimos como nos comparamos no momento presente. Mas, nos últimos anos, temos melhorado ou piorado face aos outros países europeus?

SIC Notícias

Portugal aproximou-se de alguns países. Por exemplo, comparando novamente os salários em paridades de poder de compra, as diferenças entre o salário médio de um português e de um espanhol, de um francês ou de um alemão eram maiores em 2014 do que em 2023.

Ao contrário de Portugal, há países que não conseguiram fazer esse caminho na última década. Um dos casos é a Grécia: o salário médio de um grego era igual ao de um português em 2014, mas em 2023 é 25% mais baixo.

O que os dados do Eurostat mostram é que Portugal passou por um período em que os salários se afastaram de outros países, entre 2006 e 2014. Depois dessa fase, já entre 2014 e 2022, começou a haver uma aproximação. Mas, ainda assim, essa convergência foi menor em Portugal do que noutros países com salários baixos, como a Roménia, a Letónia ou a Lituânia.

Por exemplo, em 2014, o salário médio de um romeno era 35% abaixo do salário de um português, mas em 2023 já estava quase 10% acima. Também a Lituânia e a Letónia tiveram uma evolução semelhante. O facto de alguns países que tinham salários mais baixos do que Portugal terem conseguido um crescimento salarial maior demonstra que é possível crescer mais rápido.

Seja como for, a melhoria dos salários no período mais recente teve como efeito um aumento da disponibilidade financeira e um consequente crescimento da procura de vários serviços, criando mais pressão em várias áreas, em particular sobre os transportes, alimentação e habitação. Essa maior procura, e consequente necessidade de mão-de-obra, tem também atraído uma forte imigração, acentuando a pressão sobre esses serviços.

Como é que se comparam as despesas dos portugueses com as de outros europeus?

SIC Notícias

As famílias portuguesas têm um padrão de consumo muito semelhante à média europeia. Gastam uma grande parte do seu orçamento familiar em habitação, que representa quase sempre a maior fatia, seguida de alimentação e transportes. 44% do orçamento é utilizado em gastos de habitação, o que se compara com 38% de despesas com habitação na média da União Europeia.

Comparando com os outros europeus, em média, os portugueses gastam muito menos em cultura e lazer, além de também despenderem menos em alimentação. É de notar que a habitação, a alimentação e os transportes tomam 69% do orçamento das famílias portuguesas.

Em concreto, são, em média, mais de 16 mil euros por ano, de um total de 24 mil euros de despesas. Só para a renda ou prestação paga ao banco, além das contas de luz, água e gás, vão mais de 10 mil euros por ano, aos quais se somam 3 mil euros para alimentação e quase mais 3 mil euros destinados a pagar transportes, em média.

É visível o aumento do peso das despesas com habitação nos últimos anos?

SIC Notícias

Sim, é visível um aumento substancial dos gastos dos portugueses com habitação entre 2016 e 2023, em resultado do aumento das rendas, das prestações ao banco e de todas as despesas associadas à habitação, como as contas da eletricidade e do gás, além da própria manutenção da casa.

Em concreto, falamos num aumento de 44% em despesas com habitação, comparando 2015 com 2023. Por outro lado, o que os dados do Instituto Nacional de Estatística mostram é que esse aumento foi compensado por uma redução dos gastos em lazer, vestuário, calçado - e por uma surpreendente quebra das despesas em educação e saúde.

Neste momento, e estando nós a falar da evolução do poder de compra em Portugal, é de sublinhar que o custo da habitação é, muito provavelmente, o maior problema enfrentado pelas famílias portuguesas, atualmente.

Esse custo representa, em média, quase metade do orçamento familiar. Ora, este valor está bastante acima do recomendado - cerca de 30%. Significa isto que, como consequência, os portugueses têm menos rendimento disponível para outras atividades ou até mesmo para poupar ou investir.

Mas estes custos, de vida e a diminuição do poder de compra, são uma preocupação exclusiva dos portugueses, ou também é sentido nos outros países da EU?

SIC Notícias

Esta é uma das principais preocupações apontada por todos os países da União Europeia. Aqui estamos alinhados. Portugal é um dos 12 dos países onde o custo de vida é um problema prioritário para, pelo menos, 40% dos cidadãos. Para os portugueses segue- se a Saúde (36%) e a Habitação (28%).

Enquanto o custo de vida é uma preocupação geral a todos os europeus, a habitação apresenta disparidade de níveis de preocupação revelados: é residual nos países nórdicos, nos antigos países de leste e, também, na Itália, França, Áustria e Grécia, e uma preocupação para a maioria dos inquiridos na Irlanda e no Luxemburgo. Países Baixos, Espanha e Portugal surgem a seguir, com este a ser um problema prioritário para 47%, 35% e 28% dos cidadãos, respetivamente.