
Nestas semanas de tanto ruído, graçolas, fanicos e ‘soundbytes’ ditos nas televisões, nas rádios e nas feiras do país, o que é que não foi suficientemente discutido e refletido sobre o que vai mal e é urgente melhorar e mudar no país? Quais são os grandes desafios do futuro?
Que muros estão por deitar abaixo e que pontes importa criar ou estimular para diálogos mais inteligentes e menos crispados e polarizados no espaço público?
E, já agora, o que é mais útil e relevante ter em conta na hora de votar?
O que é certo é que entre bailaricos, arruadas e infâmias, o ódio, o preconceito e a mentira contra as minorias do costume, parecem continuar a colher ‘likes’ e votos.
Qual o antídoto para este veneno que corrói a democracia?
André Tecedeiro é poeta, dramaturgo, artista plástico e um corpo político. Porque representa o mundo diverso sobre o qual nunca se fala nessas tais arenas de campanha/e que é ele próprio poesia, com um lápis sempre afiado para garantir mais liberdade e inclusão para todas as pessoas.
Passaram sete anos desde a última vez que ele veio a este mesmo podcast. E todas as questões colocadas nas linhas acima lhe são colocadas na primeira parte desta conversa.
São muitas as mudanças que marcam o caminho do André. Pessoais e profissionais. Momentos de revelação e de maior encontro consigo.
“Não há solidão comparável à de vivermos longe de nós”, escreveu André Tecedeiro um dia.
E este autor tem sido muito bravo, inspirador até, no seu caminho de autodescoberta e de afirmação da sua identidade.
E tem contado tantas vezes a sua história, e regressado ao que ficou lá atrás, porque sabe bem que o que não se conhece e não é nomeado e afirmado, não tem lugar, não tem corpo no imaginário dos outros, e abre mais espaço para o preconceito e o medo do desconhecido.
“No princípio foi o verbo transbordar”- Esta frase é outro poema ‘haiku’ do André que diz muito sobre si. Há muito que ele transborda, e que se cumpre por inteiro, para fora das margens estreitas das caixas de género que nunca serviram para si.
E André tem também transbordado de forma notável para os mais variados caminhos profissionais, o que reforça a ideia de que já viveu várias vidas numa só vida. E que, como todos nós, é uma metamorfose ambulante.
Como olha hoje André para este seu caminho e para as tantas vidas que ficaram no passado? André responde a estas questões logo nesta primeira parte.
E acrescente-se mais um poema seu para ajudar à resposta.
“Deus entra à frente/e abre as janelas do mundo./fiquem à vontade, isto é tudo novo./ A única coisa antiga, que está cá desde sempre, é a mudança.”
André é licenciado e mestre em Pintura (FBAUL; UL) e em Psicologia (FPUL)
Publicou oito livros de poesia em Portugal, Brasil, Colômbia e Espanha, entre os quais “O Número de Strahler”, edição Do Lado Esquerdo, ou “A Axila de Egon Schiele” (Porto Editora, 2020), um livro que reúne boa parte da sua obra poética, recomendado pelo Plano Nacional de Leitura.
André tem poemas publicados em mais de 30 revistas e antologias e, além disso, é consultor e formador em linguagem inclusiva e diversidade e inclusão de género e foi orador em dezenas de debates, conversas e conferências, partilhando a sua experiência como pessoa trans pela visibilidade e direitos das pessoas LGBTQIA+.
Noutros palcos, o teatro passou a ser nos últimos anos um dos seus principais lugares de escrita e criação.
Enquanto dramaturgo, André já escreveu para os espetáculos “Joyeux Anniversaire” (2021); “Desfazer” (2021); “O Ensaio” ( PANOS -palcos novos, palavras novas TNDMII, 2023) e Sonho (2024). E este ano assina mais 3 peças.
E são elas: “O Lago dos Cisnes”, com texto seu e direção de Daniel Gorjão, que reescreve o cânone e uma ideia de belo, de gracioso, de cisne, trazendo para a cena todos os tipos de corpos e que pode ser visto em breve, no pequeno auditório do CCB de 27 a 29 de maio.
Depois estreará o espetáculo “Começar tudo outra vez”, também com texto seu e criação de Raquel André e Tonan Quito, que estará na Culturgest de 25 a 28 de junho. A premissa desta peça é igualmente forte. Fala-se de nascimentos, de morte, de nacionalidade, de políticas de natalidade e migração. Mas vou deixar que seja o André a explicar esta criação.
E, mais à frente, assina a peça “Trote-Torto”, da associação Malvada, em que se convoca o gesto artístico como lugar de humanidade: imperfeito, sensível e radicalmente livre.
Isto além da sua experiência enquanto ator, no teatro e cinema. Qual é o multivitamínico que André anda a tomar? E com uma vida tão cheia, feita de tanta coisa, quem é André na fila do pão? É a pergunta inicial que se impõe.
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Matilde Fieschi. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.