![2, 3 ou 5% para a Defesa? E para quê?](https://homepagept.web.sapo.io/assets/img/blank.png)
Durante mais de sete décadas, a União Europeia (EU) viveu à sombra o manto protetor dos Estados Unidos da América. Compreendia-se esse estatuto de “menino mimado” durante todo o período da Guerra Fria. Aceitou-se, depois, a partir do momento em que parecia estar a aproximar-se o “fim da História”.
Para além da UE, neste dolce far niente, também os norte-americanos se transformaram em viventes dos rendimentos alcançados e entraram numa espécie de donos de quinta-mundo ao aceitarem que partes significativas do seu universo industrial e da sua produção tecnológica fossem externalizadas para várias geografias que pareciam despidas de valor estratégico.
Este grave erro durou três décadas e o espaço ocidental vê-se perante novas ameaças que podem pôr em causa a hegemonia da maior potência económica e militar.
O Estados Unidos da América fizeram regressar à Casa Branca alguém que não encaixa nos punhos de renda da diplomacia ou no pudor discursivo das elites e usa a função para induzir permanentes ameaças em todas as latitudes. Esta nova circunstância é uma oportunidade para a UE e deve obrigar a transformações significativas na sua estrutura económica e na sua capacidade de defesa e segurança.
Há muito tempo que se reivindicava uma política integrada no campo militar. Essa política foi sendo desgraduada e mesmo a política de segurança comum é, ainda, muito incipiente.
A invasão da Ucrânia, pela Federação Russa, veio introduzir novas linhas de abordagem e novas ameaças; o interesse estratégico da China no conflito, aprofundou a necessidade de novas obrigações europeias.
A UE e os Estados que a integram obrigam-se, portanto, a um novo tempo na política de defesa comum.
O debate situa-se agora no investimento a fazer. Serão 2, 3 ou 5%, do PIB de cada país, a marca a atingir para esse esforço? Ninguém sabe!
Os Chefes de Estado e de Governo estiveram reunidos para avaliarem a bondade do investimento conjunto. Porém, o debate prévio, sobre o tipo de estrutura de forças que a UE deve possuir, não teve qualquer incremento.
A Defesa foi, até há pouco, uma política essencialmente nacional. Cada Estado, perante as ameaças, o histórico e a realidade económica, decidia o quanto e como investir nas Forças Armadas. Só que o tempo mudou e é preciso ir mais além.
Nos últimos sete anos da minha atividade enquanto deputado, integrei a Comissão de Defesa Nacional. Fui alertando para a visão minifundiária dos ramos e para a leitura curta da Lei de Programação Militar. Confesso tristeza na constatação de que tinha razão.
A UE precisa de decidir que tipo de forças necessita e onde as vai colocar. Se vai deter estruturas operacionais próprias ou se vai continuar a aceitar a dispersão e o não acerto estratégico que a pulverização consente. Sou completamente favorável a que a UE tenha um “exército” exclusivo e que este se assuma como primeira linha.
É exatamente por isso, que a minha opção vai no sentido de que cada país assuma, por si, um investimento mínimo de 2% e que o crescimento da despesa, acima desse valor, seja já da responsabilidade da UE.
Falar de investimento é muito mais do que comprar armas. Os Estados Unidos da América terão gasto, em 2024, perto de 900 mil milhões de dólares em Defesa; os países da UE terão andado perto dos 330 mil milhões e a Federação Russa ter-se-á ficado pelos 160 mil milhões.
Perante estes números, o que se pode perguntar é simples – com muito mais investimento do que a Rússia, a UE revela-se mais capaz e mais forte? Não é preciso um conhecimento das coisas militares para uma conclusão negativa.
Assim, os líderes europeus, antes de discutirem os montantes que vão ser investidos, deveriam decidir o caminho a seguir.
Assentando na existência de uma força europeia com orçamento e com comandos próprios, olhemos agora para a indústria de defesa.
O investimento em Defesa deve ser visto em novos âmbitos. O novo esforço financeiro deve observar a presença muito significativa dos EUA no fornecimento de armamento, ou deve iniciar-se um processo de “proteção” da indústria europeia? Os líderes europeus falham também nesta discussão tão importante.
Por outro lado, os pequenos e médios países da Europa são pouco relevantes na produção de bens e serviços militares e essa realidade pode levar a que França, Alemanha, Itália, Polónia e Espanha sejam os grandes beneficiários dos investimentos a concretizar. Podemos ter o fomento de uma realidade descentralizada e com vocações especificas? Não se conhece o sentido das opções.
Estamos muito longe de poder decidir os verdadeiros montantes a alocar porque nem sequer sabemos em que setores os podemos aplicar.
Olhemos agora para o nosso país. Temos um Conceito Estratégico que cedo se mostrou desatualizado e o caminho a seguir deve ser um novo e amplo debate que deve ser implicado pelo que já dissemos.
Por outro lado, as Forças Armadas carecem de uma profunda mudança na estrutura, nos recursos humanos, na capilaridade, nas obrigações internacionais, na tipologia dos meios e na resposta à nossa realidade geográfica.
Todas as reformas feitas até hoje não foram ao essencial, não tiveram como princípio que devíamos ser, em primeiro lugar, um dos países com maior intervenção nos mares. Depois, sempre assentaram na herança simbólica da guerra ultramarina, enormizada a partir das forças terrestres, e nos altos custos de uma estrutura profundamente hierarquizada e quase em desuso em muitas geografias.
Diria, portanto, que precisamos de mais Marinha e mais Força Aérea, que urge entrar a sério na ciberguerra, que importa contemplar estruturas operacionais com utilização de novas realidades tecnológicas (p.ex. drones) e que já não devemos ter, quase em exclusividade, esquadras com cinco soldados com um cabo e de secções de dois cabos com um sargento.
E também importa incluir nas novas despesas militares o esforço necessário para o combate a incêndios, em especial nos meios aéreos, e a relação entre os sistemas de Emergência Médica, de Proteção e Socorro, de Proteção Civil, de Segurança Interna, de Defesa Nacional e de Gestão de Crises numa ótica ampla do papel da Defesa Nacional. É esta a grande empreitada.
Tudo é muito mais fluído e tudo é muito mais interessante na guerra do presente e do futuro. Vale muito mais, sob o ponto de vista operacional, uma companhia de kamikazes a ganhar cinco mil euros por mês, do que uma brigada de “tropa fandanga” a ganhar o salário mínimo nacional.
O debate está, portanto, fora de sítio. Que não se responda ao desafio dos EUA com pressa e sem inteligência, que se não esqueça que os gastos devem criar competências internas, que não se olvide que a pulverização é a mãe do insucesso estratégico e que, no meio disto tudo, Portugal assuma um rumo o mais consensual possível.